Rodrigo De Losso e Adriano Pitoli, O Estado de S.Paulo
As pesquisas eleitorais do pleito passado mostraram-se imprecisas em várias dimensões. Primeiro, a margem de erro foi violada por larga diferença pela maioria dos institutos de pesquisa, senão por todos, quando se considera o conjunto de pleitos majoritários – presidente, senador e governador. O segundo problema foi a violação sistemática da margem de erro de cada um dos institutos, em contraste com a ideia de que 95% das pesquisas estariam dentro do intervalo de confiança. Na terceira dimensão, não se esperariam diferenças tão grandes para um mesmo pleito entre os diversos institutos de pesquisa.
Esses desvios entre os resultados das urnas e os antecipados pelas pesquisas têm suscitado um intenso debate no País sobre a confiabilidade desses levantamentos.
Entender alguns desafios metodológicos pode ajudar a explicar o fenômeno e apontar caminhos para tratar a questão.
Como é inviável promover uma pesquisa ampla dos eleitores, constrói-se uma amostra representativa da população com cerca de 2.500 pessoas, o que gera um intervalo de confiança de 95%. O problema é obter essa amostra representativa sem um Censo feito há pouco tempo.
A amostra precisa satisfazer os padrões de estratificação da população em termos de gênero, idade, renda, escolaridade, localidade e tudo mais que possa ser observado e que influencia a decisão do voto. Proceder a essa estratificação corretamente, no entanto, é difícil.
Ainda mais complicado é obter uma amostra representativa que considere variáveis não observáveis que também influenciam o voto, como valores morais, por exemplo. O problema é minimizado se a amostra for suficientemente aleatória nas dimensões dessas variáveis não observáveis; mas isso também é difícil de ser obtido.
Os desafios não param aí. Garantida uma amostra representativa, a forma de aplicar a pesquisa pode influenciar a declaração dos entrevistados: ordem e redação das perguntas, gênero do entrevistador, entrevista por telefone ou presencial, forma de apresentação dos candidatos no caso de pesquisa estimulada (o ideal é evitar uma ordem preestabelecida dos candidatos), etc.
Por fim, também não é possível garantir que o entrevistado esteja sendo sincero em suas declarações quanto ao seu enquadramento nas estratificações socioeconômicas requeridas, se irá votar e em quem e que esse fenômeno seja aleatório.
A rigor, somente se todas essas condições estiverem satisfeitas torna-se possível estabelecer o intervalo de confiança de 95%, do qual se extrairão os pontos porcentuais para mais ou para menos.
Resultados distintos entre duas pesquisas divulgadas numa mesma data que vão muito além das margens de erro evidenciam que há algo de errado nas metodologias ou, no mínimo, na forma de divulgação das informações ao público.
Da mesma forma, os desvios das pesquisas divulgadas às vésperas do pleito com respeito ao resultado das urnas dão evidências adicionais de que problemas como os listados podem estar presentes nesses levantamentos. A explicação de uma mudança abrupta de decisão do eleitor horas antes do comparecimento às urnas carece de evidências mais robustas, até porque houve institutos que mostraram maior grau de acerto em um pleito ou outro. Ademais, tal explicação não ajuda o debate técnico, já que poderia ser acionada para justificar qualquer magnitude de desvio, independentemente da qualidade do levantamento.
Pesquisas eleitorais independentes são um componente essencial da democracia e direito inalienável do eleitor, balizando a decisão do voto com o máximo de informação possível. É inadmissível, portanto, qualquer tipo de cerceamento ao exercício dessa atividade.
Há espaço, porém, para que a sociedade faça melhor uso desse instrumento. Ao promover uma discussão aberta e franca sobre os dilemas metodológicos inerentes a esses levantamentos, podem-se conceber procedimentos que garantam uma utilização mais equilibrada de fontes de informações complexas, como essas.
Trata-se de um exemplo de informação assimétrica, falha de mercado pela qual os institutos de pesquisa sabem mais sobre a acurácia de seus levantamentos do que o eleitor.
Uma solução para esse tipo de problema é reduzir essa assimetria, o que passa por uma maior transparência das bases de dados e das hipóteses metodológicas adotadas, o que permitiria que outros experts pudessem checar se os procedimentos mais indicados foram atendidos.
Mais importante, a divulgação das pesquisas eleitorais deveria vir sempre acompanhada do histórico dos desvios de pesquisas similares (do próprio instituto e/ou do conjunto dos institutos) das eleições passadas. Dessa forma, os eleitores teriam condição de entender melhor as limitações das pesquisas eleitorais, fazendo uso mais adequado e parcimonioso dessa fonte de informação.
Quando se trata de pesquisas eleitorais, o eleitor precisa de mais informação, não de menos. E, quanto mais institutos de pesquisa independentes estiverem empenhados em disputar a corrida pela melhor metodologia e reputação de assertividade, melhor.
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SÃO, RESPECTIVAMENTE, PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA FEA-USP, PH.D. PELA UNIVERSIDADE DE CHICAGO; E ECONOMISTA PELA FEA-USP, HEAD DO FUNDO GOVTECH DA KPTL E CONSELHEIRO INDEPENDENTE
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