Por Notas & Informações
O saldo diplomático do governo Lula tem sido positivo. Dentre as primeiras visitas, três são para os maiores parceiros comerciais do Brasil: Argentina, EUA e China. Lula tem dado preeminência à agenda ambiental, na qual o Brasil pode e deve ser um protagonista-chave. Mas o presidente precisa parar de gastar capital diplomático com questões que o País não tem condições de influenciar e que servem apenas ao seu apetite por autopromoção. O encontro com o presidente norte-americano, Joe Biden, ilustra esses aspectos da diplomacia lulista.
Que não tenha havido resoluções bilaterais concretas é natural. Com pouco mais de um mês de governo, o objetivo do encontro era simbólico: marcar a reaproximação após os atritos provocados por Jair Bolsonaro. Nesse contexto se deram as conversas sobre as ameaças à democracia e os compromissos genéricos contra a desigualdade e pelos direitos humanos.
Até certas omissões foram positivas. Mesmo que divergências, como, por exemplo, sobre a Organização Mundial do Comércio, tenham sido levantadas, o foram de passagem, evitando confrontos contraproducentes. Felizmente, Lula não insistiu em suas críticas aos embargos dos EUA a Cuba ou Venezuela, que dizem respeito às relações entre esses países e não têm relação direta com o Brasil. Mais importante, a China não foi assunto, o que sinaliza a prudência de Lula em manter equidistância entre as duas potências.
O resultado mais relevante foi o aceno dos EUA de integrar o Fundo Amazônia. As cifras sinalizadas (US$ 50 milhões) foram irrisórias, mas há um imenso espaço para cooperação: na campanha presidencial, Biden chegou a prometer US$ 20 bilhões para a Amazônia.
Como de hábito, porém, Lula perdeu uma oportunidade de ficar calado, ao embutir na conversa a guerra na Ucrânia. Biden se restringiu diplomaticamente a desconversar. Coube à repórter da CNN Christiane Amanpour enquadrá-lo: “O senhor fala muito sobre democracia, mas por que está tão comprometido com a democracia em seu país e não fora?”. Tão melíflua era a peroração de Lula sobre a “paz”, que Amanpour se viu obrigada a interrompê-lo: “Isso é legal, mas o senhor acredita que um país soberano, democrático e independente tem direito à legítima defesa?”. As respostas de Lula, recorrendo às mesmas platitudes, mais que uma demonstração de idealismo, foram um atestado de ingenuidade. Tudo se passa como um mal-entendido: “Precisamos explicar ao presidente (Vladimir) Putin o erro que cometeu”.
Mais importante que o quimérico “clube da paz” de Lula, seria tratar de oportunidades para o Brasil, como o ingresso na OCDE. Mas Lula não só evitou essa pauta, como a sabotou: a diplomacia americana ofereceu reforçar no comunicado oficial o apoio à entrada do Brasil, mas o trecho foi vetado pela comitiva brasileira. As gestões petistas deixaram na geladeira o ingresso na OCDE, desdenhada como o “clube dos ricos”. Na verdade, ela é um clube de boas práticas em políticas públicas. O ingresso implica adesão a instrumentos que garantam um ambiente de negócios amigável e transparência e racionalidade à governança pública. Por razões óbvias, tudo isso incomoda o PT.
Mesmo os pontos positivos do encontro, como a defesa da democracia ou do meio ambiente, foram maculados. Em nome do último, Lula traiu a primeira, deixando transparecer seus instintos autoritários ao conclamar Biden a fazer alguma coisa “para que a gente obrigue os países, os nossos Congressos, os nossos empresários, a acatar as decisões que nós tomamos a níveis globais”.
Após o nanismo diplomático de Bolsonaro, não seria difícil para qualquer presidente fazer boa figura no plano internacional, auferindo ganhos para o País. Seja por oportunismo ou convicção, Lula percebeu que o Brasil tem um grande ativo na questão ambiental. Mas, até para que não o desperdice, o presidente faria bem em traduzir para a diplomacia a atitude atribuída a São Francisco de Assis: “Senhor, dai-me coragem para mudar as coisas que posso mudar, serenidade para aceitar as que não posso, e sabedoria para distinguir umas das outras”.
https://www.estadao.com.br/opiniao/mais-realismo-na-diplomacia-presidente/
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