09 de dezembro, 2024

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Mais sobre a gravíssima situação da economia brasileira

Roberto Macedo, O Estado de S.Paulo

A pandemia da covid-19 pegou a economia fragilizada por depressão que a acometeu desde 2015, começando então com uma “recessão técnica”, que os economistas definem como uma queda do produto interno bruto (PIB) por dois trimestres consecutivos. Vieram oito quedas trimestrais, prejudicando todo o biênio 2015-2016. Essa recessão só findou após o aumento do PIB por dois trimestres consecutivos no início de 2017. Mas esse crescimento foi fraco, e isso continuou em 2018 e 2019, sem que o PIB voltasse ao seu valor de 2014.

Em números: as taxas de variação do PIB nesse período foram -3,55% (2015), -3,28% (2016), 1,32% (2017), 1,32% (2018) e 1,14 (2019). Do que fica claro que as positivas dos últimos três anos não reconduziram o PIB ao seu valor de 2014. Usando um índice, com o PIB de 2014 = 100, ele chegou a 97,1 em 2019. E mais: a julgar pela variação do PIB prevista para 2020 pelo último boletim Focus, do Banco Central – uma queda de 6,5% –, o índice deste ano cairia para 90,8, bem mais longe do valor 100 de 2014, acumulando queda de 9,2% (!) relativamente a ele.

É como se o PIB caísse num buraco em 2015, fosse mais fundo em 2016 e, após rastejar rumo à superfície no triênio seguinte, ainda não havia chegado lá em 2019. Esse buraco configura uma depressão, algo mais forte e duradouro do que uma recessão.

Para complicar, e muito, esse quadro, 2020 começou mal e segue ainda pior. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou o PIB do primeiro trimestre e, já atingido em março pela pandemia em andamento, seu valor teve contração de 1,5%. A queda no segundo trimestre deverá ser bem maior e, pelo referido conceito de “recessão técnica”, haverá quem diga que o Brasil terá iniciado nova recessão. Para um diagnóstico mais adequado, contudo, é preciso acrescentar que será outra recessão dentro da mesma depressão em andamento. E para quem optar, como usualmente faço, por diagnóstico que também alcance passado mais longínquo, essa depressão surgiu no contexto de uma estagnação, definida como um crescimento do PIB abaixo do seu potencial, o que aqui ocorre desde a década de 1980!

Com esse forte aumento do buraco em que a economia se meteu desde 2015, o ministro da Economia, Paulo Guedes teve de acomodar suas crenças liberais à dura realidade imposta pela pandemia em curso, partindo para forte ação intervencionista, conhecida como keynesiana, aumentando fortemente o déficit e a dívida do governo. Também não vi outra opção.

Nesse contexto, há quem enfatize que os maiores gastos do governo também estimulam a economia, como no caso do auxílio emergencial em três prestações mensais de R$ 600, e as últimas notícias são de que haverá mais duas. Mas as reflexões não podem parar por aí. Boa parte desse dinheiro foi para contas de poupança, tanto porque houve limitações da Caixa ao seu dispêndio imediato, como também porque numa crise há quem opte por poupar mais em face do seu medo do que vem pela frente.

Outro fator relevante a ponderar é que, com a forte queda do PIB, indicadores importantes da situação financeira do governo, como o da sua dívida como proporção do PIB, vão se agravar, tanto pelo forte aumento da dívida quanto pela também forte redução do PIB. Isso vai provocar novas incertezas quanto ao futuro da economia, em particular nos investidores, e em prejuízo da retomada do crescimento.

Além disso, ao aumentar sua dívida o governo toma dinheiro emprestado de empresas e famílias que poupam e investem na expansão da capacidade produtiva do País uma proporção maior de seus recursos do que o governo, o que também prejudica o crescimento do PIB.

Em resumo, a gravíssima situação da economia coloca o Brasil diante de um imenso desafio, e o governo e sua equipe econômica precisam mostrar claramente como pretendem enfrentá-lo, sem o que a desconfiança quanto ao futuro aumentará, em prejuízo das decisões de consumir e investir e, assim, também do PIB. Está faltando um rumo claro e confiável para a retomada do crescimento.

Concluo com uma percepção não tão ruim quanto à covid-19 no Brasil. Aqui o noticiário, como de hábito, enfatiza mais as más notícias, e destaca números acumulados de casos e de mortes, o que sempre leva a novos recordes. Examino mais o número de mortes por dia, sempre olhando como fica o Brasil num gráfico atualizado diariamente pelo jornal Financial Times, que apresenta esse número em média móvel de sete dias, e alcança dezenas de outros países. Ontem esse gráfico continuava a mostrar o Brasil como o que tem o maior número, mas este está estável há cerca de 25 dias, em torno de mil mortes por dia, e não é recorde internacional. Isso estaria a indicar que o impacto da doença se estabilizou, só que sem começar a cair, como na maioria dos países, os quais mostram antes da queda uma estabilização mais curta do que a evidenciada pelo Brasil. Tal situação permanece muito grave, mas pelo menos não tanto como os números que aqui mais frequentam as manchetes.

ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR SÊNIOR DA USP. É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

 

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