Mariana Missiaggia
Para muitos, luxo está ligado à riqueza e excesso. Pelo menos é isso que marcas famosas como Dior, Gucci e Chanel sustentaram ao longo de seus reinados de décadas. Vendendo itens que podem custar 35 vezes mais do que seus similares, essas empresas mantêm a ideia conceitual de exclusividade amparada na produção limitada e no acesso restrito a determinados tipos de experiências.
E é justamente com a produção em menor escala que micro e pequenos negócios têm pego carona para embarcar no tão desejado mercado de luxo. Além disso, esses empreendedores quebram paradigmas ao mostrar que esse nicho também pode abraçar a simplicidade.
Feitos à mão do começo ao fim, os cookies da Last Crumb levam três dias para ficar prontos e são apontados como uma iguaria digna de estrela Michelin. Criada por um grupo de amigos, em Los Angeles, nos Estados Unidos, a marca conseguiu transformar meros cookies em produtos de alto luxo se valendo dos mesmos princípios utilizados por grandes marcas luxuosas: escassez, qualidade e storytelling.
Com um preço médio de US$ 14 por cookie (cerca de R$ 70), a Last Crumb vende unicamente caixas de 12 unidades – o que eleva a compra para US$ 140 (R$ 710) – e por isso, tem sido chamada entre seu público fiel de “Rolex dos cookies”.
Com as vendas a todo vapor, a empresa passou de três para 25 funcionários em menos de um ano e recebeu recentemente uma injeção de capital de US$ 1 milhão que a levará a produzir em instalações próprias, com dez vezes mais espaço que o atual, que é locado, onde tudo começou.
Mas o que faz o consumidor estar disposto a pagar um preço tão mais elevado se pode encontrar cookies por menos de US$ 1 no supermercado?
A começar pelos ingredientes de alta qualidade, a marca aposta também em parcerias que não se repetem, em produções artesanais, estoques limitados, na venda direta ao consumidor e, principalmente, em coleções de curta duração, fazendo que os doces se tornem altamente desejados.
E, por fim, um detalhe tão importante quanto todo esse conjunto: a marca não pode ser encontrada em uma prateleira de supermercado, explica Júlio Moreira, professor de negócios e marketing de luxo contemporâneo da ESPM.
“O luxo nunca estará em uma prateleira, em uma loja de supermercado. O luxo transforma o comum em extraordinário”, diz.
Last Crumb trabalha com tiragens limitadas, que são lançadas pela internet. Uma caixa com doze cookies é vendida por R$710
Ao se apresentar em seu site, a empresa conta que faz a sua própria panificação, embalagem e entrega. Ou seja, domina o processo completo daquilo que vende. E ainda explica que só há uma maneira de obter os biscoitos Last Crumb: esperando.
Isso porque as vendas são feitas exclusivamente pelo e-commerce próprio. Raramente se consegue realizar uma compra sem entrar em uma lista de espera.
Com tiragens limitadas de produtos, os consumidores se inscrevem on-line para receber um alerta de lançamento dos itens de cada coleção. No primeiro ano de operação, muitos dos lançamentos da Last Crumb se esgotaram em menos de um minuto – mesmo acontecendo semanalmente.
Tanto sucesso levou a marca a repensar essa estratégia e disponibilizar em tempo integral a Core Collection, caixa com 12 sabores clássicos que está (quase) sempre disponível para compra no site, e seguir mensalmente com seus lançamentos de coleções limitadas. Essas, normalmente temáticas e com sabores únicos, não duram mais do que cinco minutos no site.
Esse flerte com a estratégia de escassez fez com que a marca construísse um storytelling similar ao que a Nike fez, por exemplo, com um par de Air Jordans de edição limitada.
Outro grande acerto da marca está na embalagem – moderninha e individual, que embrulha cada doce e preserva o frescor dos cookies até chegar na casa das pessoas. Cada cookie tem um nome e também uma descrição criativa, que deixam a experiência ainda mais interessante.
Na Core Collection, por exemplo, sabores clássicos como red velvet, creme de amendoim e limão, ganham nomes como:“The Madonna” (o Madonna), “Netflix and Crunch” (Netflix e mastigar), “When Life Gives You Lemons” (quando a vida te der limões…), e por aí vai.
“Percebe como tudo tem a ver com a imagem que a marca quer passar? Irreverente, descolada e cheia de humor, a comunicação da marca dá aquele toque final à experiência”, diz Julio.
A Last Crumb faz a lição de casa também quando o assunto é retenção. Ao realizar uma compra de qualquer coleção, o consumidor já se torna automaticamente um membro e passa a ter acesso antecipado aos lançamentos das coleções limitadas.
Para aqueles que buscam ainda mais exclusividade, a marca oferece uma assinatura anual de US$ 500 para o Xx Members Exclusive Club, que libera acesso a coleções exclusivas, frete grátis e concierge de cookies, entre outras regalias.
E como qualquer marca contemporânea, a Last Crumb é superativa em conteúdo nas redes sociais. Trabalham bastante com influenciadores, criam conteúdos que geram desejo e vontade de comer e vão além do óbvio ao ensinar como transformar os cookies que vendem em outras sobremesas caseiras.
“Ótimo exemplo de como transformar um produto ordinário em item-desejo, agregando valor, gerando senso de escassez e exclusividade e fazendo uma comunicação diferenciada”.
Tudo isso, segundo o especialista da ESPM, mostra que o trabalho da Last Crumb em gerar desejo, atrair o cliente e conquistá-lo pela qualidade de produto e experiência tem tudo a ver com as minúcias por trás do mercado de luxo.
Nas palavras de Júlio, o trabalho de customer experience, fidelização e recorrência de base ajudam a entender parte do processo de tornar o intangível, tangível, em uma jornada de consumo que exige uma gestão de excelência – de ponta a ponta.
Ao citar a Last Crumb, ele vai além e destaca alguns desafios superados pela marca, como a criação de uma base de dados de clientes, a consolidação de um marketing personalizado e, principalmente, a venda do luxo pelo virtual.
Diferentemente das grandes “maisons de luxo”, que incluem até champanhe, ele diz ser um grande feito transportar a experiência premium disponível nas operações físicas, para o mundo virtual, e sem perder a característica da exclusividade.
DONA DO DOCE
No Brasil, o mercado de produtos de luxo deve faturar US$ 2,85 bilhões (cerca de R$ 14 bilhões) neste ano, alta de 4,2% em relação a 2022, segundo a consultoria Statista. As operações on-line devem representar 4,8% desse montante.
Verdadeiro hit nos eventos mais abastados de São Paulo, as bolachinhas da Dona do Doce tiveram um processo de criação bem parecido ao da Last Crumb. Fundada há onze anos, em São Caetano do Sul, pelas amigas Paula Maria Maldonado e Luciana Pereira Maciel, a marca começou produzindo 100 potes de bolachas por mês e foi para 1,8 mil em menos de seis meses.
Com R$ 1 mil e a ajuda da mãe e da avó de Luciana, elas desenvolveram uma receita de bolacha artesanal de doce de leite, e passaram a reproduzi-la em um cômodo da casa da avó de Luciana.
Edição comemorativa da Dona do Doce com as tradicionais bolachinhas
De um produto gourmet, elas alçaram voo ao mercado de luxo caprichando na embalagem e apresentação do produto – já com a ideia de vendê-lo como um presente. Para isso, testaram diferentes materiais e chegaram ao que funciona muito bem há uma década.
Os potes que revelam o acabamento das bolachas e evidenciam os recheios, identificados por tags e adesivos, são envolvidos em papel de seda e encaixados em uma sacola que é a marca registrada do negócio. Estampada em floral, a sacola é bem resistente, tem cordão de tecido e remete a um olhar romântico, antigo e de casa de avó.
“Não vendemos bolacha, vendemos um presente. Os clientes pagam por toda essa composição, e isso encarece o nosso produto, pois é uma embalagem que vai continuar circulando pela vida da pessoa, além de trabalharmos com ingredientes mais caros”, diz Paula.
Dona do Doce aposta em embalagens sofisticadas para vender bolachinhas como presente
Hoje, além da linha tradicional da bolachinha doce recheada que engloba potes de 54 itens por R$ 120 e é o carro-chefe da casa, há também sem recheio, banhada em chocolate ao leite, coberta com amêndoas laminadas e salgadas.
Duas estratégias importantes da Last Crumb também são aplicadas pela Dona do Doce: sabores exclusivos e edições limitadas, que já renderam parcerias importantes e inusitadas, como a Amarula e o azeite Andorinha, que levou a marca a produzir uma bolachinha salgada e, mais recentemente, brigadeiro.
Segundo Paula, a dupla tinha clareza sobre onde queriam chegar: em um dos endereços mais disputados de São Paulo, a rua Oscar Freire. No início, elas se utilizaram das únicas estratégias possíveis, participando de eventos no local para testar a marca na região, e ampliando a presença em pontos estratégicos, como a Casa Vogue, SP Fashion Week e a área vip do Bar Brahma. E deu certo.
“Tudo isso nos serviu de termômetro, tanto para portfólio como para ponto de venda”, diz.
Hoje, são quatro lojas físicas, todas em regiões nobres das cidades de Santo André, São Caetano do Sul e São Paulo, onde a marca está no Shopping Anália Franco e na cobiçada Oscar Freire.
IMAGENS: divulgação
https://dcomercio.com.br/publicacao/s/marcas-que-fazem-da-simplicidade-um-luxo
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