Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
O petista Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro parecem concordar que há uma solução mágica para todos os problemas do País: a criação de Ministérios. O demiurgo de Garanhuns, até o momento, prometeu criar nada menos do que dez pastas. O incumbente, mais quatro.
A desfaçatez de Bolsonaro chega a ser ainda mais evidente: afinal, ele foi eleito em 2018 prometendo formar um governo “enxuto”, com apenas 15 Ministérios, o suficiente, em suas palavras, para representar “os interesses da população, e não dos partidos políticos”. Pois Bolsonaro não só criou mais oito pastas durante o mandato, como agora promete criar outras quatro, caso seja reconduzido ao cargo.
Se Lula for eleito, seu governo poderá ser composto por 32 Ministérios a partir de 2023 – 9 a mais do que a atual configuração da Esplanada. Isso inclui o desmembramento de pastas que já existem, como os Ministérios da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, da Economia e da Justiça e da Segurança Pública, além da recriação de outras, como o Ministério da Pesca, da Cultura e do Planejamento. Lula prometeu ainda a criação de um Ministério dos Povos Originários. “Se a gente criou o Ministério da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos e o da Pesca, por que a gente não pode criar um Ministério para tratar das questões indígenas?”, disse o petista durante um comício em Brasília.
Já Bolsonaro pretende recriar os Ministérios da Pesca, hoje vinculado ao Ministério da Agricultura; do Esporte, vinculado à pasta da Cidadania; da Indústria e Comércio, hoje sob a alçada do Ministério da Economia; e da Segurança Pública, que desde o governo de Michel Temer compõe o Ministério da Justiça.
É inegável que há um forte simbolismo na criação de um Ministério. É uma sinalização inequívoca para a sociedade de que a área abarcada pela pasta é considerada prioritária para o governo que a criou. A questão é que símbolos não resolvem problemas. Políticas públicas bem concebidas e executadas, sim.
Um governo pode ter 40 Ministérios e não cuidar bem das questões mais prementes para a população. Pode ter poucas pastas e também não solucioná-las. O ponto principal, portanto, não é o número de Ministérios. Cada governo organiza sua estrutura administrativa da forma que julgar mais conveniente. Fundamental é haver disposição genuína para governar tendo os interesses de todos os segmentos da sociedade como norte indesviável.
A história recente do País está cheia de exemplos de Ministérios que foram criados apenas para acomodar interesses políticos, no melhor cenário, ou abrigar apaniguados do governante de turno para fins de corrupção, no pior. Há até uma expressão para essa forma descarada de patrimonialismo: a entrega do Ministério com “porteira fechada”, ou seja, o “donatário” de uma parte da administração pública tem liberdade para fazer o que bem entender, nem sempre dentro da lei.
O regime presidencialista, combinado com um quadro multipartidário, implica uma divisão do poder político que se reflete na configuração da estrutura do Poder Executivo. Em tese, nada há de ruim nisso. O que é inaceitável é governar por força do pensamento mágico, como se a mera criação de Ministérios fosse, por si só, a solução para os problemas do País. Ou, pior, conceber Ministérios para comprar apoio político e, dessa forma, evitar a eventual responsabilização do mau governante. Sejam muitos ou poucos, os Ministérios devem organizar a administração de forma a bem servir a sociedade.
O problema é que tanto Lula como Bolsonaro, a menos de 20 dias da eleição, ainda não deixaram claro quais são seus planos concretos de governo, razão pela qual não se sabe qual será a serventia dos prometidos novos Ministérios, caso saiam do papel. Certamente há muitos eleitores crentes de que a batelada de Ministérios de Lula e Bolsonaro estará a serviço de um projeto sólido de País. Mas não se pode condenar os eleitores que suspeitam de que se trata de mais um festival de voluntarismo populista, e que, passado o entusiasmo da criação dos Ministérios, seja o da Pesca, seja o dos Povos Originários, os nobres propósitos darão lugar aos interesses privados dos que apoiam o governo em troca de benesses. Para isso, nem mesmo um Ministério do Espírito Público daria jeito.
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