Notas&Informações, O Estado de S.Paulo
A Operação Lava Jato teve dois grandes méritos. Em primeiro lugar, mostrou que a lei vale para todos – ricos e pobres, empresários e políticos, poderosos e anônimos. Todos devem responder por seus atos. Longe de significar uma obviedade, a recordação desse princípio republicano básico – todos são iguais perante a lei – representou uma revolução na percepção sobre a Justiça brasileira, que, até então, quase sempre tinha se mostrado conivente com a impunidade dos poderosos.
O segundo grande mérito da Lava Jato foi mostrar ao País que a política não pode prevalecer sobre a lei. Toda a atuação política deve estar submetida ao império da lei – e isso vale também para as estatais e empresas de capital misto, para as indicações de cargos, para as licitações, para os acordos partidários, para as doações de campanha. Nada está fora do alcance da lei.
Trata-se de dois grandes legados da Operação Lava Jato, que transcendem, em boa medida, os resultados dos próprios processos penais. Seja qual for o encaminhamento que um caso tenha recebido ou venha a receber, é de reconhecer que o País adquiriu, com a Lava Jato, um outro patamar de exigência em relação ao cumprimento da lei.
Tudo isso é muito benéfico ao País. Apesar de seus erros e excessos, a Operação Lava Jato foi capaz de incidir sobre uma notória carência da vida nacional: o baixo grau de respeito à lei. Por isso, não se pode estranhar o apoio que a Lava Jato recebeu por parte da população. Conforme a expressão popular, “lavou a alma”.
No entanto, como se a vida real fizesse questão de superar os mais criativos roteiristas de ficção, os dois grandes legados da Lava Jato vêm sendo atacados pela atuação política daquele que foi a mais proeminente figura da Operação, o ex-juiz da 13.ª Vara Federal de Curitiba Sérgio Moro. Ao apoiar a reeleição de Jair Bolsonaro, depois de ter dito tudo o que disse ao País sobre o modo como o atual presidente da República tenta escapar das consequências da lei, o agora senador eleito pelo Paraná transmite a mensagem de que a lei não vale para todos – alguns teriam o privilégio de não responder pelos seus atos – e de que a política deve prevalecer sobre a lei – o interesse político autorizaria amenizar os efeitos da lei.
O caso é um inteiro absurdo. O atual comportamento de Sérgio Moro não é contraditório com o que outros disseram a respeito do governo Bolsonaro, e sim com o que ele mesmo sempre disse. Foi o próprio ex-juiz que, em abril de 2020, narrou ao País várias tentativas de Jair Bolsonaro para interferir na Polícia Federal (PF), coisa que, segundo Sérgio Moro, “a despeito de todos os problemas de corrupção dos governos anteriores”, não tinha acontecido durante a Lava Jato. Nos governos petistas, “foi garantida a autonomia da Polícia Federal”, e “isso permitiu que os resultados (da Lava Jato) fossem alcançados”, disse.
Além disso, ao ignorar os muitos indícios de lavagem de dinheiro envolvendo a família Bolsonaro – 51 imóveis cuja compra envolveu dinheiro vivo –, Sérgio Moro ajudou a reforçar a tese dos detratores da Lava Jato: a de que as lideranças da Operação nunca estiveram de fato interessadas no cumprimento da lei, mas apenas em perseguir opositores políticos.
Os inimigos da Lava Jato não são o PT, o Supremo Tribunal Federal ou Romero Jucá, político que, em 2016, foi flagrado defendendo a necessidade de “estancar a sangria”. É o próprio Sérgio Moro quem, de forma sistemática, desmoraliza e desautoriza o trabalho da Lava Jato. Em 2018, ao deixar a magistratura para assumir o Ministério da Justiça do governo Bolsonaro, ele deu todos os elementos para o reconhecimento da parcialidade de sua atuação como magistrado nos processos contra Lula, abrindo caminho para a anulação das decisões judiciais. Agora, ao participar do núcleo da campanha de reeleição de Bolsonaro – justamente quem o teria impedido de realizar seu trabalho de combate à corrupção na pasta da Justiça –, Sérgio Moro diz que a lei é só para os inimigos e que, na política, vale tudo. É a antítese perfeita da mensagem renovadora da Lava Jato.
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