Luiz Fernando Lima Reis, O Estado de S.Paulo
Este momento é uma oportunidade para refletirmos sobre o papel da ciência no enfrentamento e na gestão da pandemia de covid-19. São desafios que mobilizam cientistas globalmente. Fomos gerando conhecimento sobre o novo coronavírus em paralelo ao espalhamento da doença. Como diz o ditado, “assobiando e chupando cana”.
Foi no curso da pandemia que deciframos o genoma do vírus e desenvolvemos testes diagnósticos. Fomos aprendendo a tratar a doença e percebemos como ela é heterogênea, com sintomas variados. A escassez de conhecimento disparou esforços da comunidade científica, mundo afora, pela busca de evidências que possam ajudar nas tomadas de decisão sobre a pandemia.
Na busca de soluções, pesquisadores organizaram-se em grupos colaborativos, instituições colocaram-se lado a lado e órgãos regulatórios prepararam-se para responder com celeridade à demanda por novos estudos. No Brasil, os comitês de ética em pesquisa dos grandes centros e a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) passaram a responder, em questão de dias, a pedidos que antes levavam meses. Recursos até então escassos começaram a aparecer por meio de doações e parcerias, incluindo da iniciativa privada, que se colocou ao lado da academia com financiamentos expressivos.
A sociedade familiarizou-se com jargões da pesquisa, como as etapas do desenvolvimento de novas drogas. Fala-se hoje de forma natural sobre estudos in vitro, em ambiente laboratorial, que produzem hipóteses, mas ainda estão longe da prática. Comenta-se corriqueiramente sobre os ensaios clínicos que buscam dados de segurança e eficácia de drogas. O conhecimento foi sendo construído com o rigor do método e das boas práticas em pesquisa. Como se diz lá em Minas Gerais, minha terra natal, se atalho fosse bom, não existiria o caminho. Na ciência não pulamos etapas e não temos atalhos, mesmo que o caminho seja longo. A ciência comprovou a eficácia das máscaras e o efeito positivo do distanciamento social para a redução da pressão no sistema de saúde. Avanços nos testes diagnósticos e estudos epidemiológicos permitem o mapeamento mais preciso da expansão da doença. Novos medicamentos estão sendo testados e a tão necessária vacina está a caminho.
Nesse período, a ciência brasileira mostrou o seu enorme potencial e sua prontidão. Por décadas vivemos o debate de financiamento em pesquisa, que é escasso e intermitente. A comunidade científica pôs-se à frente desses desafios. Isso foi possível pela excelência dos cientistas brasileiros, que investiram na causa do conhecimento e na formação de brilhantes jovens pesquisadores. Há também que reconhecer a importância dos órgãos reguladores, que foram céleres e sensatos em suas decisões. Mas, principalmente, reconhecer a força da colaboração.
Hoje, projetos colaborativos se sobrepõem às iniciativas isoladas. A parceria entre grupos, instituições acadêmicas e privadas trouxe oportunidades e soluções até então raras. Essa rede permitiu colaborações entre instituições que, embora possam parecer concorrentes, têm a preocupação genuína do melhor cuidado ao paciente. Juntas, indústria e academia desenvolveram novos equipamentos, métodos diagnósticos e tratamentos. Avanços importantes foram protagonizados pela ciência brasileira e reconhecidos internacionalmente.
Como cientista brasileiro, destaco importantes contribuições da nossa comunidade. É consenso que a saída da pandemia está no desenvolvimento da vacina. Se hoje discutimos a possibilidade de produção de imunizantes no Brasil, é, em parte, pela excelência de recursos humanos existentes no Instituto Butantan e na Fiocruz. Se faltava a infraestrutura e obras para tornar viável a produção local, a iniciativa privada entendeu a necessidade e entrou no projeto. Ao final, teremos o legado de novas plantas para aumentar nossa produção de biofármacos e vacinas.
Tivemos também um destaque relevante com publicação no New England Journal of Medicine, a mais conceituada revista médica do mundo, de pesquisa conduzida pela Coalizão Covid-19 Brasil, grupo colaborativo liderado por seis hospitais e duas redes de pesquisa, que contou com a participação de 55 hospitais pelo Brasil. Um trabalho 100% nacional, desenhado, financiado e produzido pela ciência brasileira e por uma indústria farmacêutica também nacional.
Para os que insistiram no atalho, os resultados foram nefastos, pois viram seus trabalhos sofrerem revogações das publicações e sua reputação sendo contestada pela comunidade científica. Sem o suporte da melhor evidência, anteciparam-se com práticas não comprovadamente eficazes, pondo em risco a segurança e a qualidade da assistência ao paciente.
Em todo o mundo, e principalmente no Brasil, a ciência tem respondido à altura da gravidade do momento, oferecendo à sociedade o conhecimento mais avançado, seguro e eticamente disponível.
BIOQUÍMICO, DOUTOR EM IMUNOLOGIA PELA ESCOLA DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE NOVA YORK, É DIRETOR DE ENSINO E PESQUISA DO HOSPITAL SÍRIO-LIBANÊS
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,na-ciencia-nao-ha-atalhos,70003394868
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