Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Em rápido crescimento, a epidemia do coronavírus, o déficit fiscal e a dívida pública seguem trajetórias semelhantes e assim devem seguir por algum tempo. Mas o déficit e a dívida poderão continuar aumentando quando o surto da doença tiver amainado, se o governo relaxar o controle de suas finanças. O risco se agrava quando o presidente Jair Bolsonaro negocia com o Centrão postos importantes da administração federal. Com as negociações, a gestão de orçamentos multibilionários é entregue a pessoas indicadas por um grupo conhecido por seu fisiologismo. Mesmo sem esse risco o desafio já é enorme.
Pelas últimas previsões oficiais, o déficit primário do governo central chegará neste ano a R$ 675,7 bilhões, ou 9,4% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado para 2020. Com o déficit dos governos subnacionais e o das empresas federais, o resultado primário do setor público será um saldo negativo de R$ 708,7 bilhões (9,9% do PIB). No ano passado o número em vermelho ficou em R$ 61 bilhões (0,9% do PIB).
Mas o problema é político e moral, antes de ser financeiro ou aritmético. Não basta olhar os números. É preciso levar em conta a destinação do dinheiro gasto e as motivações dos benefícios tributários. Por enquanto as explicações são respeitáveis.
Em abril, a receita líquida do governo central foi 35,6% menor que a de um ano antes, descontada a inflação, e a despesa foi 44,7% maior. A arrecadação foi afetada principalmente pela redução e pelo diferimento de tributos, enquanto o gasto foi ampliado por medidas de combate à pandemia e de seus efeitos econômicos e sociais. Também houve, naturalmente, o efeito da redução da atividade.
O resultado foi um déficit primário, isto é, sem a conta de juros, de R$ 92,9 bilhões nas finanças do governo central, segundo relatório do Tesouro. Um ano antes tinha havido superávit primário de R$ 6,5 bilhões, em valores da época. As despesas de enfrentamento da covid-19 consumiram R$ 59,4 bilhões, incluídos R$ 35,8 bilhões de auxílio emergencial a grupos sociais mais vulneráveis.
Discute-se, em Brasília, se programas emergenciais desenhados para cumprimento até junho serão prorrogados. Se isso ocorrer, o déficit primário e a dívida poderão aumentar bem mais do que já se estimou. Não se deve menosprezar a advertência. Se houver bom motivo para a prorrogação dos gastos ou benefícios excepcionais, será conveniente recalibrar o programa de ajuste seriamente, talvez planejando compensações orçamentárias. O advérbio “seriamente” é essencial e exclui a consideração de objetivos pessoais e familiares do presidente da República.
Um cenário mais amplo aparece no relatório do Banco Central (BC) sobre o conjunto do setor público. Os saldos correspondem às necessidades de financiamento, enquanto aqueles apresentados no relatório do Tesouro expressam a diferença entre receitas e despesas. Segundo o BC, o governo central fechou o mês de abril com déficit primário de R$ 92,2 bilhões. O déficit geral do setor público, incluídos os governos subnacionais e as empresas federais, atingiu, também no conceito primário, R$ 94,3 bilhões.
Somados os juros, o chamado resultado nominal foi negativo em R$ 115,8 bilhões. No ano, o saldo nominal foi um déficit de R$ 225,7 bilhões, equivalente a 9,6% do PIB. Em 12 meses, o resultado negativo chegou a R$ 545,7 bilhões, ou 7,5% do PIB, com alta de 1,2 ponto porcentual em relação ao registrado até março.
Com a ampliação do déficit nominal, a dívida bruta do governo geral (três níveis) bateu em R$ 5,82 trilhões e passou de 78,4% em março para 79,7% do PIB. O objetivo de manter a relação abaixo de 80% já havia sido abandonado. Na última revisão de receitas e despesas, o Tesouro elevou a projeção para 93%, mas no mercado já se encontram estimativas de 100%. As contas públicas estão piorando em todo o mundo. Mas o mercado julgará os governos de acordo com a seriedade e a competência demonstradas em suas políticas. Isso afetará as decisões de financiamento e de investimento. O presidente deveria pensar nisso.
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