03 de outubro, 2024

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Nomeações marotas

Foto: Marcos Brandão/Senado Federal

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

O mandato do presidente Jair Bolsonaro só termina no próximo dia 31 de dezembro. Até lá, obviamente, estão resguardadas todas as prerrogativas do chefe do Poder Executivo dispostas no artigo 84 da Constituição. Uma delas é a de “dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos” (inciso VI, alínea “a”).

Do ponto de vista estritamente formal, pois, não há qualquer reparo a ser feito sobre as recentes nomeações de Bolsonaro para a importantíssima Comissão de Ética Pública da Presidência. No dia 18 passado, Bolsonaro nomeou dois aliados muito próximos para integrar o colegiado: o atual ministro da Secretaria de Governo, o economista Célio Faria Junior, e o advogado João Henrique Nascimento de Freitas, chefe da Assessoria Especial do presidente da República.

Uma vez publicado o decreto do presidente no Diário Oficial, nada pode ser feito a respeito dessas nomeações para a Comissão de Ética Pública, seja do ponto de vista político, seja no âmbito do Poder Judiciário. Afinal, a Comissão de Ética Pública é um órgão consultivo a serviço da Presidência da República e dos ministros de Estado. Seus sete integrantes, que têm mandato de três anos e não recebem salário, não passam pelo crivo do Senado e só podem ser substituídos em caso de renúncia.

Diante do histórico antirrepublicano de Bolsonaro, pode-se inferir qual seja a intenção do presidente ao correr para preencher as duas vagas remanescentes para a Comissão de Ética Pública, faltando apenas poucas semanas para deixar o cargo. E, pior, indicando para o colegiado – que tem por missão aplicar o Código de Conduta da Alta Administração Federal, analisar casos de conflito de interesses e estabelecer quarentenas para ocupantes de cargos públicos – duas pessoas que não parecem reunir as credenciais para o relevante serviço público que haverão de prestar, a começar pela “idoneidade moral” e “reputação ilibada”.

Célio Faria Junior é tido como um bolsonarista da chamada “ala ideológica” e já foi apontado como membro do “gabinete do ódio”, a máquina de destruição de reputações e fabricação de mentiras urdida no seio do atual governo, como revelou o Estadão. Por sua vez, João Henrique Nascimento de Freitas trabalhou durante sete anos com o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio e foi um dos investigados pelo esquema das “rachadinhas” no gabinete do senador quando ele era deputado estadual. Presume-se que ambos tenham sido nomeados exclusivamente para fustigar o futuro presidente Lula da Silva.

No crepúsculo de seu governo, Bolsonaro ainda publicou uma série de indicações para as cúpulas de oito agências reguladoras, que têm capacidade de causar problemas para o próximo governo ao dificultar ações administrativas. Trata-se de aparelhamento explícito, pois esses indicados terão mandato de quatro anos.

Ademais, foram preenchidos diversos postos diplomáticos no exterior. Entre estes, está a indicação de Marcela Braga, uma assessora da primeira-dama Michelle Bolsonaro, para chefiar o vice-consulado do Brasil em Orlando (EUA), a despeito de se tratar de uma diplomata recém-promovida pelo Ministério das Relações Exteriores, à frente de colegas mais experientes.

Ao contrário dos indicados para a Comissão de Ética Pública da Presidência, todos os indicados para as agências reguladoras e postos de representação do País no exterior devem ser sabatinados pelo Senado, como determina a Constituição. Espera-se que a Casa exerça bem a sua prerrogativa constitucional, o que, na prática, significa realizar, de fato, uma sabatina, e não uma confraternização com os indicados pelo Palácio do Planalto, como sói acontecer.

Alguns dos indicados por Bolsonaro para integrar as agências reguladoras estão sendo sabatinados pelos senadores num “esforço concentrado”, o que causa enorme estranheza. Uma sabatina bem feita não se coaduna com açodamento.

As sabatinas do Senado não são meros atos protocolares. A avaliação dos senadores não pode ser orientada por quaisquer arranjos de natureza político-partidária nem tampouco servir como simulacro de uma exigência constitucional. Isso seria ferir de morte a própria ideia de República.

 

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