Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Um novo desastre fiscal, com as contas públicas em frangalhos e a dívida pública disparada, pode levar o País a uma crise mais funda, alertam grandes bancos, investidores, analistas de mercado e o Fundo Monetário Internacional (FMI). O alarme soa no dia a dia, com o sobe e desce do dólar e a instabilidade dos juros futuros, mas o barulho se dissipa, quase sem efeito, na Praça dos Três Poderes. Nesse estranho enclave no centro do País, alguém se lembra de vez em quando, ou é lembrado, de preceitos meio cabalísticos, como uma estranha regra de ouro e um inoportuno teto de gastos.
Relatórios do Deutsche Bank, do Itaú Unibanco e do Bradesco, citados em reportagem do Estado, chamam a atenção, mais uma vez, para o desafio de conter a expansão do buraco fiscal e da enorme dívida pública. Mas o presidente Jair Bolsonaro parece ter pouco tempo – quase nenhum – para preocupações desse tipo. Cuidar da reeleição tem sido sua atividade principal, e uma fonte de sustos e inquietações para o mercado e para muitos analistas da economia brasileira.
Discussões sobre como financiar a Renda Cidadã, concebida como grande bandeira eleitoral, têm ocasionado frequentes sobressaltos. Brigas entre ministros por causa da gestão do dinheiro público também inquietam investidores e analistas. Além disso, o mercado reage mal quando se fala de investimentos eleitoreiros, obviamente imaginados como pretextos para viagens presidenciais. Não se trata, é claro, de planos de obras estratégicas para o desenvolvimento, até porque esses conceitos são estranhos ao mundo bolsonariano.
Dólar mais caro, aumento de custos e expectativa de juros mais altos no médio e no longo prazos são alguns dos efeitos dessa inquietação. O Banco Central (BC) tem chamado a atenção, em seus comunicados, para o risco de juros em alta se o mercado perder confiança na gestão das contas públicas.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem feito muito mais que divulgar as notas da instituição. Tem mostrado, em reuniões do Executivo, a importância de um claro compromisso com a responsabilidade fiscal. Reuniu-se com Bolsonaro duas vezes, desde o fim de setembro, para alertá-lo sobre os temores do mercado.
As incertezas sobre a gestão das finanças públicas são mencionadas, embora de forma suavemente diplomática, em relatório divulgado pelo FMI depois da recente visita ao Brasil de uma equipe técnica. Nesse tipo de visita, realizado anualmente, funcionários do Fundo coletam informações do governo e de outras fontes para a elaboração de um relatório sobre as condições perspectivas do país. A maior parte dos países-membros participa desse ritual e autoriza a divulgação dos dados e das avaliações.
“Com a dívida pública ascendendo a 100% do PIB, preservar o teto constitucional de gastos como âncora fiscal é fundamental”, assinala o comunicado, “para apoiar a confiança do mercado e manter contido o prêmio de risco soberano.” Soberano, nesse caso, é o risco associado à dívida pública.
Essa dívida, de R$ 6,39 trilhões em agosto, já bateu em 88,8% do Produto Interno Bruto (PIB) e no fim do ano encostará em 100%, segundo as projeções correntes. Na média, o endividamento público nas economias emergentes deve ficar, neste ano, próximo de 60% do PIB, provavelmente pouco acima.
O maior endividamento é inevitável num ano de pandemia devastadora e enormes perdas econômicas. O FMI ajudou dezenas de governos a enfrentar os gastos com saúde e com apoio a empresas e famílias. Mas, passada a fase mais crítica, é preciso consertar os fundamentos da economia e criar condições para uma retomada segura.
No caso do Brasil, essa próxima etapa deve incluir, segundo a equipe do FMI, reformas para desengessar o Orçamento, proporcionar eficiência ao governo e tornar a tributação mais progressiva e mais favorável à alocação racional de recursos. Alguns desses pontos podem aparecer na retórica oficial, mas, no dia a dia, nem o mero compromisso com a responsabilidade fiscal está claro. O sobe e desce do mercado é um retrato das incertezas.
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