Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
O deputado estadual bolsonarista Douglas Garcia (Republicanos-SP) acossou a jornalista Vera Magalhães durante o debate entre os candidatos ao governo de São Paulo promovido anteontem pela TV Cultura. Na ocasião, disse que Vera era “uma vergonha para o jornalismo” – a mesma frase usada pelo presidente Jair Bolsonaro ao agredir a mesma jornalista durante recente debate entre candidatos à Presidência.
O episódio não serve somente para confirmar o padrão bolsonarista de desrespeito a mulheres, a jornalistas profissionais e à imprensa independente. Foi uma oportunidade para ver, na prática, como o discurso virulento de Bolsonaro se presta a atiçar seus camisas pardas a transformar palavras em ação. É a versão bolsonarista do “dog whistle”, expressão da política norte-americana que pode ser traduzida literalmente como “apito de cachorro” e que serve para definir frases do líder que são entendidas por seus seguidores como uma espécie de comando.
Assim, quando o presidente Bolsonaro ataca violentamente uma jornalista, o apito soa e essa jornalista se torna imediatamente alvo preferencial dos arruaceiros bolsonaristas. Portanto, o deputado que a agrediu não fez mais que emular seu adestrador. Esse truculento parlamentar não teria se sentido à vontade para intimidar uma jornalista, e ainda filmar sua agressão para torná-la pública como se fosse um grande feito, se seu líder, o presidente da República, já não o tivesse feito.
É por isso que aos bolsonaristas que pretendem se desvincular desse episódio, como é o caso de Tarcísio Gomes de Freitas, candidato a governador de São Paulo, não basta condenar o deputado Douglas Garcia. É preciso condenar o próprio presidente Bolsonaro, que soprou o apito. O candidato Tarcísio chamou o deputado de “idiota” e pediu desculpas à jornalista. Mas nada disse sobre a mesmíssima agressão que Bolsonaro cometeu contra Vera Magalhães.
Recorde-se que a jornalista Vera Magalhães se tornou foco dos fanáticos bolsonaristas porque fez uma pergunta que incomodou Bolsonaro durante um debate. Foi o que bastou para sua vida virar um inferno. Agressões contra jornalistas no exercício da profissão, quase sempre mulheres, tornaram-se norma desde que Bolsonaro chegou ao Palácio do Planalto.
Em vez de responder à pergunta – que dizia respeito à campanha de vacinação contra a covid-19 – ou até mesmo, se achasse que era o caso, contestar civilizadamente o modo como a questão foi formulada, Bolsonaro resolveu ofender Vera Magalhães em sua dignidade e profissionalismo. Eis o padrão de comportamento do presidente em relação à imprensa que não lhe presta vassalagem: um misto de agressividade e diversionismo. Diante de perguntas incômodas, Bolsonaro agride e desqualifica quem as formula, sem responder ao que foi perguntado.
Eventuais críticas ao trabalho da imprensa profissional e independente jamais serão mal recebidas em uma democracia. Os próprios jornalistas, não raras vezes, as expõem. O que é absolutamente inaceitável – e inconstitucional, vale lembrar – são agressões de qualquer natureza contra jornalistas no livre exercício da profissão.
É contraditório, mas não surpreendente, que bolsonaristas digam ser tão zelosos com a liberdade de expressão e com os preceitos constitucionais, mas não respeitem a liberdade de imprensa consagrada pela Constituição. O fato de alguém como o deputado Daniel Silveira, que faz da violência seu programa político, ser tido como um “herói” da liberdade de expressão no País por esses bolsonaristas mais empedernidos diz muito sobre a ideia de “liberdade” que Bolsonaro dissemina entre seus apoiadores.
A despeito de todas as agressões de que têm sido vítimas, jornalistas jamais deixarão de fazer as perguntas que tanto incomodam Bolsonaro. Mais cedo ou mais tarde, o presidente terá de responder sobre as “rachadinhas”, dezenas de imóveis comprados com dinheiro vivo e cheques suspeitos depositados na conta da primeira-dama por Fabrício Queiroz, o notório faz-tudo do clã Bolsonaro, entre outras perguntas inconvenientes.
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