Carlos Pereira, O Estado de S.Paulo
Em regimes presidencialistas é o presidente que é percebido como o responsável pelo desempenho de políticas universais. Isso é consequência direta da distribuição de seus eleitores em todo o território nacional. Portanto, não é crível que o presidente transfira responsabilidade para outros atores políticos se, por exemplo, a inflação sair do controle, se a população não for vacinada, ou se o desemprego aumentar. Da mesma forma, se políticas nacionais apresentam um bom desempenho, é o presidente que tem condições de auferir crédito e benefícios políticos desses acertos.
Por outro lado, os legisladores, por terem uma base eleitoral geograficamente mais restrita e delimitada (no caso brasileiro, os Estados), obtêm maiores créditos e retornos eleitorais principalmente a partir de políticas locais e/ou setoriais que venham a gerar benefícios às suas redes locais de interesse na esfera municipal.
Muitos acreditam que o Centrão desembarcará do governo Bolsonaro por uma questão de sobrevivência eleitoral. Mas, será que a sobrevivência eleitoral desse amontoado de partidos ideologicamente amorfos estaria ameaçada com a queda vertiginosa de popularidade do presidente e o aumento de sua rejeição? Será que apoiar o governo Bolsonaro representaria um “abraço de afogados” para o Centrão?
Para responder a essa pergunta é preciso entender que, no presidencialismo multipartidário, partidos podem seguir uma de duas trajetórias distintas e independentes. Podem seguir o caminho majoritário, lançando candidatos à Presidência e procurando ocupar o papel protagonista no jogo político. Mas também podem decidir trilhar uma trajetória fundamentalmente legislativa, e em vez de lançar candidatos à Presidência, procurariam ocupar a posição de pivô ou voto de minerva no Congresso. Esses partidos seriam assim âncoras ou coadjuvantes de partidos presidenciais vencedores.
Enquanto o majoritário vencedor tem acesso aos maiores retornos do mercado político, os partidos pivô do Legislativo são capazes de extrair vantagens e ganhos menores, mas não triviais (como ministérios, cargos na burocracia, execução de emendas orçamentárias etc.), distribuídos pelo majoritário vencedor em troca de apoio político no Congresso. Isso ocorre porque raramente o partido do presidente eleito obtém sozinho a maioria de cadeiras no Legislativo e, consequentemente, necessita do apoio do pivô legislativo para governar e sobreviver.
Assim como o PFL (DEM), durante os governos Sarney, Itamar e FHC e o (P)MDB, nos governos Lula e Dilma, o Centrão não tem ambições presidenciais. Sua estratégia dominante tem sido manter-se como pivô do Legislativo de qualquer majoritário vencedor.
Por funcionar como uma espécie de escudo protetor de Bolsonaro contra iniciativas consideradas indesejáveis pelo governo, como seu próprio impeachment, o Centrão tem tido condições de extrair cada vez mais recursos financeiros e de poder do presidente que superam eventuais custos.
Quanto maior for a vulnerabilidade política de Bolsonaro, maior o interesse do Centrão de continuar a protegê-lo. Essa estratégia possibilitará a extração de maiores recursos do Executivo, fundamentais para que os parlamentares do Centrão se reelejam e formem uma bancada federal ainda maior, consolidando a sua posição de pivô no Legislativo, independentemente de quem venha a se tornar o majoritário vencedor em 2022.
Mesmo que Bolsonaro venha a apresentar níveis de popularidade extremamente baixos e/ou perca ainda mais competitividade eleitoral, não é racional que o Centrão venha a “abandonar o barco” de Bolsonaro, pois muito provavelmente terá um barco em 2022, ainda que com um timoneiro diferente.
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