Notas e Informações, O Estado de S.Paulo
É a primeira vez que ela, a Mãe Natureza, tem o mundo inteiro em suas mãos”, disse o jornalista Thomas Friedman, na quinta entrevista da série realizada pelo empresário Luciano Huck em parceria com o Estado. “O grande desafio para entender e reagir à pandemia é que você precisa fazer algo que a maioria dos líderes mundiais nunca fez, que é olhar o planeta por meio do prisma da natureza, e não da política nem da economia nem da ideologia.”
A natureza, constatou Friedman, recompensa três estratégias de adaptação. A primeira é a humildade, o que, no caso, implica o respeito pela força do vírus. A segunda é uma reação coordenada. Por fim, esta coordenação deve ser fundamentada pela ciência. “Se você está construindo sua reação de adaptação baseada em química, biologia e física, você será eficaz. Mas, se estiver construindo sua reação baseada em ideologia política e no seu cronograma eleitoral, eu (a Natureza) vou machucar você ou alguém que você ama.”
É uma advertência direta à mistura tóxica de obscurantismo e voluntarismo característica de movimentos populistas como os liderados por Donald Trump ou Jair Bolsonaro. “Todas essas mudanças que estamos tendo agora, a pandemia, as mudanças cibernéticas, as climáticas, elas são como um furacão. E há um grupo de líderes mundiais, o do Brasil e o dos EUA, por exemplo, que reage dizendo que vão construir um muro contra o furacão.” Já outros líderes estão pensando em “como construir algo no olho do furacão, algo que se move junto com a tempestade, que extrai energia dela e cria uma plataforma de estabilidade dinâmica, não estabilidade congelada”, ponderou Friedman. “Um lugar onde as pessoas se sintam conectadas, protegidas e respeitadas. Essa é a comunidade saudável. E acho que um país construído sobre comunidades saudáveis, que podem se mover junto com a tempestade, esse é o caminho adiante.”
A pandemia impõe a necessidade de repensar um mundo cada vez “mais rápido”, porque o ritmo de mudanças como a tecnológica ou a climática continua acelerando; “mais fundido”, porque não estamos só interconectados, mas ameaçados por perigos globais; e “mais profundo”, porque a tecnologia alcança lugares inauditos.
Contudo, “essa pandemia chegou num momento em que estávamos profundamente divididos. Tínhamos vivido um período crescente de desigualdade e de profundas divisões partidárias, raiva, frustração e ressentimento”, disse o filósofo Michael Sandel, em entrevista anterior. “Minha esperança é que estejamos nos movendo em direção a uma sociedade em que, em nossos debates políticos, perguntaremos primeiro: ‘O que devemos uns aos outros como cidadãos e como podemos promover a política do comum? O que nos une de uma maneira que nos tornará mais fortes?’.”
Para que esta esperança seja bem fundada além do mero idealismo, é fundamental acolher as frustrações que levaram à irrupção dos populismos, para transmutar a sua energia hostil de desmoralização da política numa energia construtiva. “Acho que precisamos procurar a sociedade civil para ajudar a criar fontes de solidariedade, porque não são apenas as políticas de governo que nos mantêm unidos”, disse Sandel, “mas também as organizações, incluindo organizações locais, que podem trabalhar para promover o acesso à educação, podem tentar levar cuidados de saúde para pessoas que não podem pagar por isso, que podem tentar lidar com o problema da violência nas favelas.”
Se o desafio é inaudito, também o são os instrumentos para superá-lo. “Acho que estamos prestes a ver uma explosão de inovação”, disse Friedman, “porque esta pandemia está atingindo todo mundo precisamente no momento em que mais pessoas têm acesso a ferramentas baratas de inovação e a um enorme poder computacional quase de graça na nuvem.” Mas por mais formidável que seja este instrumento, ele continua a ser apenas isso, um instrumento, e como tal pode ser utilizado para a criação ou para a destruição. A diferença entre o caminho que leva à utopia e o que leva à distopia, hoje, como sempre, está na responsabilidade humana.
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