Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
A explosão do desemprego nos Estados Unidos, tão avassaladora como o contágio pelo coronavírus, é mais uma sombria advertência aos países varridos pela pandemia, incluído o Brasil. Em três semanas 16,8 milhões de pessoas correram em busca do auxílio-desemprego, segundo se informou em Washington no dia 9. Na última semana foram 6,6 milhões, na maior e mais veloz onda de demissões desde 1948. Só em abril as demissões podem chegar a 20 milhões, de acordo com estimativa corrente no mercado. Quando se registraram os primeiros casos da doença, os desocupados eram cerca de 3,5% da força de trabalho, uma das menores taxas da história. No fim de abril cerca de 15% poderão estar na rua, estimam economistas do setor financeiro.
Há um duplo alerta nos números dos Estados Unidos. A maior economia do mundo, um motor de prosperidade até o começo de março, foi rapidamente derrubada pela nova crise, como se um furacão se espalhasse em poucos dias por todo o país. No ano passado o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 2,3%, enquanto a expansão média no mundo rico ficou em 1,7%. Novas projeções para a economia americana apontam contração na faixa de 4% a 5%.
O segundo alerta envolve a importância global da maior potência econômica. Uma forte recessão no mais poderoso e mais dinâmico dos mercados vai afetar severamente o comércio internacional. Mesmo com alguma recuperação na segunda maior economia, a chinesa, as trocas deverão ser afetadas.
No começo do ano havia expectativa de um ambiente comercial menos tenso em 2020, com a trégua na disputa entre Washington e Pequim. A esperança de uma reativação mundial puxada pelo intercâmbio de bens e serviços está abandonada neste momento. Mas o efeito da contração do mercado mundial poderá ser parcialmente atenuado no Brasil.
Ainda haverá uma razoável procura de produtos do agronegócio. O País estará pronto para atender, em condições normais, à demanda de alimentos e de matérias-primas originárias da agropecuária. Não haverá, no entanto, condições normais, se o presidente Jair Bolsonaro, ministros e outras pessoas do círculo presidencial causarem novos atritos com parceiros comerciais.
Os dados americanos ficam mais assustadores quando se leva em conta o arsenal de recursos para ações anticrise. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) criou rapidamente condições para expansão do crédito e entrou no mercado comprando papéis privados. O Executivo preparou um pacote de estímulos de US$ 2,2 trilhões. Já aprovadas pelo Congresso, essas medidas incluem apoio a empresas, distribuição de recursos para sustentar o consumo das famílias e alguns estímulos à manutenção de empregos.
Uma linha de financiamento de US$ 350 bilhões foi criada para alimentar a folha salarial de pequenas empresas. Essa dívida será perdoada, prometeu o governo, se as empresas mantiverem os empregos ou recontratarem o pessoal dispensado. Alguns empresários têm alegado dificuldade de acesso a esse dinheiro. De toda forma, demissões continuaram e há projeções de muitas dispensas nas próximas semanas.
Mas o caso americano é importante, especialmente para o Brasil e outros países emergentes e em desenvolvimento, também por outros motivos. O presidente Donald Trump demorou a reconhecer a gravidade da epidemia. Isso facilitou o aumento exponencial do contágio e das mortes.
Convertidos em epicentro da pandemia, os EUA logo se tornaram recordistas em mortes pelo coronavírus. O presidente Trump acabou recuando e seguindo a orientação da ciência, embora ainda se tenha permitido um absurdo ataque à Organização Mundial da Saúde. O erro inicial no combate à pandemia multiplicou as internações e mortes e jogou para mais tarde a recuperação econômica. Engano semelhante havia ocorrido em outros países, ampliando o sofrimento e as perdas econômicas. No Brasil, algumas autoridades tentam evitar esse erro, enquanto o presidente cuida de sua base eleitoral e se dedica a atacar possíveis competidores, trabalhando a favor do vírus.
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