Por Notas & Informações
Durante muito tempo, a Lava Jato foi apresentada como uma robusta e implacável operação policial contra grandes esquemas de corrupção operados por políticos e empresários. O discurso tinha ares encantadores. Depois de várias operações anteriores frustradas, finalmente Polícia Federal, Ministério Público Federal e Poder Judiciário tinham aprendido a lição e estavam agora fazendo um trabalho investigativo da forma mais séria e rigorosa possível. Não havia como dar errado.
Nos últimos anos, a divergência desse discurso com a realidade foi exposta diversas vezes, a começar pela interpretação amplíssima que a 13.ª Vara Federal de Curitiba deu a respeito de sua própria competência, o que acarretou várias nulidades. Mais recentemente, a utilização da Lava Jato para fins político-partidários pelo ex-procurador Deltan Dallagnol e pelo ex-juiz Sérgio Moro – que se valeu de sua atuação no caso até para eleger a mulher como deputada federal por São Paulo – evidenciou uma nuvem pouco republicana sobre a famosa operação. “A contradição é notória”, dissemos neste espaço sobre o uso eleitoreiro da Lava Jato (E o lavajatismo chegou lá, 10/10/2022). “Uma operação estatal cujo objetivo era apurar diferentes modalidades de desvio de recursos públicos para fins particulares – pessoais ou partidários – tornou-se ela mesma instrumento para promover objetivos particulares: a eleição de ex-funcionários públicos e seus parentes.”
Agora, mais uma camada da realidade da Lava Jato foi exposta. No dia 16 de dezembro, na conclusão do julgamento pela 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de um habeas corpus impetrado em favor de Sérgio Cabral, o País se deu conta de que o ex-governador do Rio de Janeiro estava preso simplesmente em razão de uma ordem de prisão preventiva decretada pela 13.ª Vara Federal de Curitiba em novembro de 2016 por fatos ocorridos em 2008 e 2009. Ora, uma prisão nesses moldes é ilegal.
A prisão preventiva tem finalidades e requisitos precisos. Como estabeleceu o Congresso na legislação processual, essa medida restritiva não pode ser utilizada como “antecipação de cumprimento de pena”, tampouco é “decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia”. Ao decretar uma prisão preventiva, a decisão judicial “deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada”. Fatos ocorridos há mais de 10 anos não servem para justificar uma prisão preventiva. Por isso, ao revogar a prisão de Sérgio Cabral, a 2.ª Turma do STF agiu corretamente. Fechar os olhos à ilegalidade de uma prisão preventiva que vinha se prolongando indefinidamente no tempo seria descumprir, de forma contundente, a Constituição.
No julgamento do habeas corpus, os ministros do Supremo salientaram que não estavam avaliando “o mérito das denúncias” contra Sérgio Cabral nem era um “juízo de valor sobre a gravidade dos fatos supostamente praticados pelo acusado”. O tema era outro. Tratava-se tão somente de verificar a legalidade de uma prisão preventiva que durava mais de seis anos. A Lava Jato não passou no teste.
A revogação da prisão do ex-governador do Rio de Janeiro é muito simbólica. Até mesmo aquele que era apontado como o único político atualmente preso pela Lava Jato estava na prisão em função de uma ordem inequivocamente ilegal. Ou seja, a alegada robustez da operação era, na realidade, uma tremenda precariedade, rigorosamente incapaz de produzir a consequência tão prometida à população: a devida responsabilização dos culpados pelos escândalos revelados.
A cada novo capítulo da história da Lava Jato, a lição republicana torna-se mais cristalina. É uma grande enganação achar que se defende a lei, que se combate a criminalidade ou que se reduz a impunidade com órgãos públicos atuando fora da lei. Não serve rigorosamente para nada. O caminho é a lei, e não as extravagâncias messiânicas de quem se considera acima do Estado.
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