Voltar à normalidade é uma condição que não existirá após a pandemia do novo Coronavírus. A vida como antes se modificou completamente, impactando nossos comportamentos, preferências e anseios. Se não seremos as mesmas pessoas, também não seremos os mesmos consumidores. E tudo isso influi no presente e no futuro do setor do comércio.
“A ampliação no uso da tecnologia e a acentuada ênfase no delivery são os primeiros efeitos da Covid-19 no varejo alimentar, em que as vendas digitais nunca foram a principal fonte de renda das empresas, mas que passarão a significar uma fatia muito maior depois da epidemia”, afirma João Carlos da Lapa, diretor comercial da Prátika Consultoria de Varejo.
“Mais que investir na presença digital, para acompanhar este movimento, os comerciantes de pequeno e médio porte devem antes buscar treinamento, fazer inventários constantes e implantar a prevenção de perdas, pois os processos precisam ser mais eficientes a partir de agora”, reforça o especialista. “Os supermercados não fecharam, mas tiveram dificuldades, como um inesperado superabastecimeno, problemas de reposição e perda de colaboradores que estavam no grupo de risco e foram afastados. À frente haverá outros desafios, como o desemprego e a redução de renda, que devem diminuir o faturamento após esse ‘boom’ de vendas”, destaca o consultor da Prátika.
“Apesar das dificuldades, o varejo de alimentos é um dos setores que está se destacando positivamente no enfrentamento da crise. As lojas estão abastecidas, as regras impostas pelos órgãos de saúde estão sendo cumpridas, foram desenvolvidos novos canais de venda − compre e retire, WhatsApp, e-commerce − para atender às novas demandas e houve aumento no quadro de colaboradores para evitar aglomeração e agilizar o atendimento. O segmento mostrou a sua rápida capacidade de adaptação e manteve o seu foco principal, que é atender com maestria seu cliente final”, afirma Alexandre Ribeiro, fundador da consultoria em varejo R-Dias.
Segundo ele, após a pandemia, o varejista terá que lidar com o “novo normal”: consumidores mais focados e preocupados com os problemas sociais e questões de saúde, com alguns receios e hábitos que não eram tão fortes. “Além disso, problemas econômicos causarão mudanças no hábito e na escolha do local para as compras, enquanto itens mais baratos e marcas de combate tendem a ganhar destaque na cesta. Cabe ao varejista adaptar suas categorias e sua gestão de preço para esta nova realidade, a fim de evitar o desequilíbrio entre as categorias e manter a margem geral da loja”, orienta o especialista.
Os clientes tendem a valorizar as lojas que se adaptaram ao cenário e que estavam prontas para atender às novas demandas, sem perder o foco na qualidade do serviço prestado. “Os estabelecimentos que ‘pensaram fora da caixa’ e que estiveram com o consumidor neste momento tendem a ser a primeira escolha dele quando tudo isso melhorar”, avalia Ribeiro.
Compreender e lidar com os novos padrões de consumo serão desafios. Segundo o consultor da R-Dias, as vendas de itens relacionados à limpeza do lar estão em crescimento, por exemplo, já que 39% das pessoas afirmam ter adquirido um novo hábito com a Covid-19: o de higienizar os itens do supermercado quando chegam em casa. “A alta procura desses itens tende a se manter mesmo pós-Covid-19, uma vez que as pessoas entenderam o quanto estão suscetíveis a contaminações, e cabe ao varejista verificar o posicionamento destes produtos na categoria e na loja.”
Outro ponto de atenção é que a suspensão das comemorações, eventos sociais e a implantação maciça do home office trouxeram mudanças significativas para algumas categorias, como cuidados pessoais, embora a expectativa seja de retorno ao patamar anterior após o fim da epidemia.
Segundo o consultor, o isolamento provocou mudanças no movimento de compras com redução da frequência (-6,5%) e aumento de intensidade (+22%) na última semana de março deste ano, versus o mesmo período no ano anterior. As famílias reduziram as compras mais ‘picadas’ e voltaram a estocar alimentos, itens de higiene e limpeza, elevando o gasto por ocasião, de R$ 41,49 para R$ 71,57 nesse período. “Trata-se de um comportamento que não deve se manter pós-Coronavírus, pois com recursos reduzidos, os consumidores tendem a não estocar e só buscar o necessário”, afirma.
Assim como os clientes, os comerciantes também se modificaram. “A crise chacoalhou aqueles que estavam na zona de conforto, a ruptura de paradigmas da cadeia produtiva é uma realidade, cuja lição é para todos nós observarmos e refletirmos, para combater os efeitos colaterais com maturidade, competência e alternativas inteligentes”, diz o consultor Sebastião Carlos de Souza Campos, sócio-diretor da Prime Assessoria e Treinamento.
Segundo ele, em meio ao caos surgiram várias oportunidades de negócio. “Os grandes varejistas investem pesado em ferramentas de apoio a promoções de vendas e em tecnologia, e as lojas de vizinhança começaram a se conscientizar desta necessidade, perceberam o quanto estão despreparados para viabilizar este modelo de negócio e que precisam buscar alternativas em caráter de urgência para esse atendimento virtual”, analisa Campos.
“É um caminho sem volta para as lojas de vizinhança, pois quem não investir em uma plataforma de atendimento personalizado, por meio de aplicativos, site ou outras ferramentas de fidelização, com diferenciais de valor agregado, vai passar despercebido pelo shopper com perfil diferenciado”, conclui o especialista da Prime.
Turbulência à frente – A crise econômica provocada pelo novo Coronavírus é a mais grave já enfrentada em todo o mundo, afirmam economistas, pois as medidas de isolamento social para conter a doença impactam fortemente as atividades produtivas. No Brasil, a situação é pior, em razão do cenário político e sanitário, então deve demorar ainda mais para o País se recuperar.
“As vendas nos supermercados estão ligadas às projeções econômicas do Brasil e para o segundo semestre estima-se altas taxas de desemprego: 60% das pessoas acreditam que sua renda diminuirá com a pandemia e que este impacto negativo na rotina financeira se estenderá por dois a seis meses, provocando mudanças no hábito de compra. Diante deste cenário econômico, os consumidores tendem a ser mais comedidos, a escolher produtos mais baratos, reduzir a fidelidade a marcas e fugir dos supérfluos”, analisa Alexandre Ribeiro, da R-Dias.
“Portanto, mesmo com as lojas abertas, os supermercados devem sentir o impacto da Covid-19 nos resultados financeiros. Artigos com margem maior tendem a ter redução nas vendas, a participação na venda de itens com preço promocional aumentará e, consequentemente, haverá queda na margem. Para evitar o desequilíbrio financeiro é fundamental que a área comercial compreenda os novos padrões de consumo, implante uma política de precificação estratégica, faça um bom gerenciamento de categoria e que esteja alinhada com a área financeira na definição das novas estratégias”, completa o especialista.
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