15 de outubro, 2024

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O lado sombrio da pandemia

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

 

Poucas pessoas conseguiram escapar dos efeitos da pandemia do novo coronavírus sobre a renda. Mesmo a parte dos brasileiros que conseguiram manter sua ocupação durante a crise sanitária, iniciada na segunda metade de março, sentiu algum impacto sobre seus rendimentos da redução ou até a paralisação de muitas atividades econômicas em decorrência do avanço da covid-19. Mas esse impacto, como mostrou reportagem do Estado, apresenta uma característica perversa, que dá um tom ainda mais sombrio ao ambiente social e econômico do País. Os que têm escolaridade mais baixa, e por isso têm rendimento médio também menor, perderam proporcionalmente mais renda do que outras faixas de trabalhadores.

Deve ter se ampliado nos últimos meses o fosso que separa as camadas de menor renda das que conseguem obter rendimentos mais elevados. Estudo do Banco Mundial mostrou que os brasileiros que compõem a faixa dos 40% mais pobres do País, e que somam 85 milhões de pessoas, já não conseguiam recuperar a fatia de renda que vinham perdendo desde 2014, no início da crise provocada pelos desmandos econômicos e fiscais do governo lulopetista de Dilma Rousseff, e, no início da pandemia, devem ter perdido ainda mais espaço na renda nacional. O pagamento do auxílio emergencial – de R$ 600 no início e hoje de R$ 300 – decerto interrompeu ou retardou esse processo. Mas há muita incerteza sobre a condição dessas pessoas a partir de janeiro do ano que vem, quando o auxílio deixará de ser pago na forma atual e será substituído por outro, ainda sendo desenhado pelo governo.

Com base em números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid-19, que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) passou a calcular para aferir o impacto da pandemia sobre a condição de vida das famílias, a consultoria IDados constatou que, no primeiro semestre deste ano, os trabalhadores que não completaram o ensino médio tiveram perda de até 25% de sua renda em relação à sua remuneração habitual anterior à crise. Já a maior perda média entre pessoas ocupadas com curso superior completo ou pós-graduação não passou de 14%.

Entre maio e junho, os trabalhadores sem nenhuma instrução ou com ensino fundamental incompleto chegaram a perder R$ 431 por mês, valor que tem grande peso na receita usual desse grupo de pessoas e representa 40% de um salário mínimo.

“Este é o lado sombrio de toda a crise econômica”, avalia o economista Matheus Souza, do IDados. “Quem estudou menos é mais vulnerável no mercado de trabalho”, completou. Mais grave ainda é o fato de que as pessoas de menor escolaridade são as que mais dependem da renda do trabalho para sobreviver.

A diferença da perda de renda por nível de escolaridade começou a diminuir, mas, em julho, último mês para o qual há dados suficientes para a comparação, continuava ampla, de oito pontos porcentuais (perda de 18% da renda dos que não tinham instrução fundamental completa e de 10% para os formados em faculdade ou com pós-graduação).

Mostrando certa resignação diante da tragédia social que representa a perda de renda nas proporções aferidas pelo estudo – “a gente se acostuma a viver com menos, mas não é fácil” –, a cuidadora de idosos Neomar Maria da Silva, de 62 anos, sintetiza com precisão o que ocorreu na pandemia: “Dá uma sensação de que a vida andou dez anos para trás”.

A perda de renda é generalizada. A estimativa é de que um quarto dos trabalhadores com carteira assinada (ou 9,5 milhões de profissionais) teve o contrato de trabalho suspenso ou a jornada reduzida, de acordo com números do Ministério da Economia. A redução de jornada e salário evitou muitas demissões, mas teve impacto sobre a renda de quem depende do trabalho.

Uma parcela da sociedade particularmente vulnerável aos impactos da pandemia é a das crianças. Recente relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estimou que a pandemia fez crescer em 15% o número de crianças que vivem na pobreza em todo o mundo.

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