Por Notas & Informações
Escorada em seu Índice de Percepção da Corrupção (IPC), a ONG Transparência Internacional aponta que o Brasil teve uma década perdida no combate à corrupção. Em certa medida, foi pior: uma década de retrocesso. Entre 2012 e 2022, ainda que a pontuação do País tenha ficado relativamente estagnada, variando de 43 para 38 pontos, o Brasil caiu da 69.ª posição para a 94.ª, ficando abaixo da média global (43 pontos), dos Brics (39), da América Latina (43) e bem abaixo dos 66 pontos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O resultado, a princípio, causa perplexidade. Afinal, houve avanços legais, como a incorporação de marcos internacionais contra a lavagem de dinheiro, a proibição de doações de campanha por empresas ou as Leis Anticorrupção e das Estatais. Ao mesmo tempo, a Justiça desbaratou megaesquemas de corrupção, como o mensalão e o petrolão.
Mas esses avanços nos âmbitos político e judiciário foram neutralizados por abusos nos âmbitos político e judiciário: a contraofensiva do sistema imunológico das corporações patrimonialistas no Legislativo, os desvios de governos populistas de esquerda, em nome da “justiça social”, ou de direita, em nome da “lei e da ordem”, e, não menos importante, da Justiça, em nome da “democracia” e do próprio “combate à corrupção”.
O resultado do IPC “reflete o desmanche acelerado dos marcos legais e institucionais anticorrupção que o País havia levado décadas para construir”, avalia a Transparência Internacional. “Junto com o retrocesso na capacidade de enfrentamento da corrupção, o Brasil sofreu degradação sem precedentes de seu regime democrático.”
São fenômenos interligados. Analisando os últimos dois anos, a Transparência Internacional acusa as omissões do procurador-geral da República; a atuação do então presidente Jair Bolsonaro para debilitar órgãos de controle e ocultar dados públicos; a disseminação de notícias falsas turbinada por ele e seus correligionários; e “heterodoxias” processuais encampadas pela Suprema Corte ante ameaças às instituições republicanas. O grande destaque foi para o orçamento secreto mancomunado entre o Executivo e o Legislativo, que não só “perverteu a formulação de políticas públicas” em áreas como saúde, educação e assistência social, mas, “ao jorrar bilhões para municípios sem capacidade institucional de controle, pulverizou ainda mais a corrupção, potencializando fraudes e desvios em nível local”.
Como o bolsonarismo, o lulopetismo sempre consagrou a ética em seus discursos eleitoreiros. Na prática, ambos manobraram para enfraquecer os mecanismos de controle ao seu arbítrio e concentração do poder. O aparelhamento do Estado, que criou um ambiente fértil a todo tipo de corrupção, desvios de recursos públicos e uso do poder estatal para fins privados, foi consequência direta da ideia de Estado onipresente e desenvolvimentista do PT, assim como de uma concepção política infensa ao diálogo, mas aberta às mais espúrias negociatas em troca de apoio. Até hoje o PT justifica os crimes em sua gestão como uma espécie de “corrupção do bem” em nome da governabilidade, como a dizer “rouba, mas faz justiça social”.
A ideia de que os fins justificam os meios grassou na própria Justiça. A Lava Jato criou um legado inestimável ao mostrar que a lei vale para todos, até para as oligarquias no poder. Mas o lavajatismo dilapidou esse legado. Excitando no imaginário popular a ideia de que a corrupção é a raiz de todos os males e que tudo vale para erradicá-la, a operação arrogou-se prerrogativas de uma instituição paralela, lançando mão de todo tipo de abuso e espetacularização do processo legal numa cruzada messiânica pela purificação de um sistema político supostamente podre da raiz aos frutos, sem exceções.
Assim, em nome do “combate à corrupção”, a judicialização da política e a politização da justiça vêm se retroalimentando, criando círculos viciosos que se entrelaçaram como engrenagens de uma máquina perniciosa que desmoraliza a política e a Justiça e faz o País retroceder no combate à corrupção.
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