Notas&Informações, O Estado de S.Paulo
No governo do presidente Jair Bolsonaro, os militares ganharam projeção inaudita desde a redemocratização do País. Nas mais diferentes áreas da administração pública federal, da Saúde ao Meio Ambiente, da Educação à Ciência e Tecnologia, da Cultura à Justiça e Segurança Pública, constata-se a presença de mais militares ocupando cargos e exercendo funções civis do que já houve em todos os governos eleitos a partir de 1989. De acordo com um levantamento recente do Tribunal de Contas da União (TCU), hoje há 6.157 militares, da ativa e da reserva, atuando no governo federal.
Há muitos reparos que devem ser feitos à entrega de cargos e funções essencialmente civis a membros das Forças Armadas, cuja proximidade institucional com a Presidência da República Bolsonaro instrumentaliza por interesses particulares. Mas há previsão legal para essas designações. O problema é que todo esse prestígio que as Três Armas, sobretudo o Exército, obtiveram no atual governo tem servido de subterfúgio para que alguns militares engordem seus holerites em desabrida afronta às leis, à Constituição e ao próprio “espírito militar”. Militares de corpo e alma são bastante ciosos da obediência aos comandos da Constituição.
O Estadão teve acesso ao relatório de uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) que identificou uma série de casos de acúmulo de funções militares e civis sem qualquer tipo de amparo legal. Em muitos casos (729), a soma das remunerações desses militares ultrapassa o teto constitucional de R$ 39.293,22 por mês, equivalente ao salário pago aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Se todos esses pagamentos ilegais fossem restituídos, R$ 5,14 milhões teriam de voltar aos cofres públicos.
A CGU constatou que, daquele total de militares que atuam no governo federal, 2.327 (incluindo seus pensionistas) estão em “situação irregular”. Destes, 558 ocupam ilegalmente cargos militares da ativa e cargos civis, ou seja, estão exercendo funções estritamente vedadas aos fardados. A CGU apurou ainda que 930 militares se enquadram nos casos legais de acúmulo de funções, mas extrapolaram o prazo-limite. Por lei, militares da ativa podem ser designados para cargos de natureza civil, mas pelo prazo máximo de dois anos.
De acordo com a CGU, o problema pode ter como causa “a eventual má-fé dos militares ao permanecerem como requisitados para atividades civis federais por tempo prolongado, nos casos em que estejam cientes da irregularidade”. A Constituição é claríssima: o vínculo civil de militares é autorizado por período máximo de dois anos, devendo o militar ser transferido para a reserva caso a situação do vínculo temporário persista.
Alguns militares, no entanto, podem se sentir autorizados a descumprir as leis e a Constituição porque, no topo da hierarquia, há um comandante em chefe das Forças Armadas que é useiro e vezeiro em afrontar o ordenamento jurídico do País. Até um dos mais notáveis traços da natureza militar – a força do exemplo – Bolsonaro parece empenhado em dilapidar.
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