09 de outubro, 2024

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O novo arcabouço fiscal está na LRF

José Serra, O Estado de S.Paulo

A equipe de transição do presidente eleito apresentou a lideranças do Congresso Nacional uma proposta para alterar a Constituição com o objetivo de descumprir o teto de gastos em até R$ 200 bilhões. Com razão, lideranças políticas e especialistas em contas públicas apontaram graves riscos fiscais.

Qualquer “licença para gastar” concedida pelo Poder Legislativo precisa acompanhar prazos e diretrizes para implantar um novo arcabouço fiscal no País, substituindo o teto de gastos em vigor desde 2016. Sabidamente, o regime atual do teto de gastos já não consegue promover transparência e planejamento na gestão do Orçamento federal. Um novo arcabouço fiscal deveria ser construído sobre os alicerces da nossa Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF): promover o planejamento e a transparência das medidas fiscais de curto prazo em sintonia com os objetivos fiscais de longo prazo.

A proposta de flexibilizar permanentemente o teto de gastos, sem dar prazo ao Poder Executivo para apresentar um novo regime fiscal, desconsidera qualquer compromisso com as contas públicas e banaliza ainda mais o teto de gastos introduzido na Constituição no final de 2016. Em última análise, embaralha as expectativas em relação aos rumos da gestão fiscal.

Mais do que simples limite constitucional de despesa – que hoje traz mais problemas do que soluções –, o País precisa de um sistema de regras e procedimentos, compatibilizado e coerente, capaz de promover o controle de gastos de forma funcional e transparente. Na era das “soluções simples para problemas complexos”, limitar-se a fixar um teto de gastos na Constituição, em vez de adotar um arranjo institucional sofisticado, é mais fácil, porém pouco sustentável.

O sistema de regras e procedimentos que orientam a política fiscal no Brasil está definido na Lei de Responsabilidade Fiscal, cuja gestação remonta à Assembleia Nacional Constituinte. Fui relator de Tributos, Orçamentos e Finanças na Constituinte, na comissão então presidida por Francisco Dornelles. Naquele momento histórico, nasceu o art. 163 da Constituição, que vem a ser a base constitucional da LRF. Em meu parecer, justifiquei a importância de um arcabouço fiscal regulamentado por lei complementar com o objetivo de promover o “desenvolvimento equilibrado, com juros compatíveis com a produção; transparência das operações, sobretudo as que envolvam o setor público; e controle social do gasto e da dívida pública”.

Na mesma Constituinte, prevaleceu a regra de manter a definição de limites de endividamento na esfera das competências privativas do Senado, como vigorava na Constituição anterior, agora definido a partir de iniciativa privativa do presidente. Por essa razão, a LRF estabelece um arcabouço que se ancora em limites de endividamento e metas fiscais voltadas para adotar uma trajetória da dívida pública a partir de uma concertação política entre o Executivo e o Senado. Nessa mesma direção formou-se hoje um consenso em torno da necessidade de um arcabouço ancorado em limites de endividamento, ainda que estes não tenham sido regulamentados.

Poucos sabem que o Congresso teve um papel determinante na origem da LRF. É que a proposta do Executivo para regulamentá-la não nasceu espontaneamente, mas sim de um dispositivo da Emenda Constitucional n.º 19, de 1998, conhecida como a da Reforma Administrativa. Em seu art. 30, ficou estabelecido que o projeto de lei complementar referente ao art. 163 da Constituição – que veio a se converter na LRF – seria apresentado ao Legislativo em seis meses da promulgação daquela emenda constitucional.

Por isso, entendo que uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no atual regime fiscal deveria vir acompanhada de um dispositivo exigindo que o Poder Executivo apresente ao Senado os limites de endividamento previstos no art. 52 da Constituição. Esse dispositivo permitiria revogar o teto de gastos e, simultaneamente, estabelecer uma âncora fiscal atrelada a uma regra de controle do endividamento.

Destaco três aspectos positivos dessa opção. Primeiro, o arcabouço fiscal da LRF já está pronto para receber os limites de endividamento, com válvulas de escape, gatilhos para ajustes de contas e mecanismos de controle pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Segundo, colocaríamos a LRF num modo de operação completo, já que até hoje não foram aprovados os limites de endividamento que ancoram o regime fiscal nela regulamentado. Terceiro, esse novo arcabouço apresentaria as virtudes de um adequado regime fiscal, conforme se adota hoje no palco internacional: simples, efetivo e flexível.

A discussão legislativa da LRF se arrastou por um ano – de 15/4/1999 a 11/4/2000. O Congresso Nacional aprovou uma lei que até hoje está alinhada a boas práticas internacionais e que passaria, assim, a funcionar com uma âncora fiscal na forma de limites de endividamento, como recomendam órgãos oficiais em países considerados de ponta na área da governança pública. Sejamos pragmáticos: o novo arcabouço fiscal deve ser construído dentro do regime institucional da LRF.

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SENADOR (PSDB-SP)

 

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