08 de dezembro, 2024

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O papel da AGU

Notas e Informações, O Estado de S.Paulo

 

Um dos traços distintivos dos estadistas é a capacidade que têm de separar os assuntos de Estado dos de governo, mais ainda dos particulares. Não há vivalma que espere que o presidente Jair Bolsonaro aja como um estadista. No entanto, algum grau de institucionalidade, mínimo que seja, deve haver, se não por parte do presidente da República, por aqueles que têm o dever funcional de assessorá-lo.

O artigo 131 da Constituição dispõe que “a Advocacia-Geral da União (AGU) é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”. Só com um hercúleo esforço de interpretação é possível ler no artigo citado algo que remotamente legitime a ação que a AGU interpôs no Supremo Tribunal Federal (STF) para defender os interesses dos militantes bolsonaristas que na sexta-feira passada tiveram suas contas no Twitter e no Facebook suspensas por ordem do ministro Alexandre de Moraes.

Em caráter reservado, um dos ministros do STF avaliou que a ação da AGU é “um dos maiores vexames da história da instituição”. Outro disse à jornalista Andréia Sadi, do G1, que “a AGU não tinha motivos para agir”. De fato, custa crer que o advogado-geral da União, José Levi Mello, pôs a instituição que representa a serviço do que o ministro Alexandre de Moraes classificou em sua decisão como “uma associação criminosa dedicada à disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às instituições” tão somente porque assim o presidente Jair Bolsonaro ordenou. Se o advogado-geral da União não tem como recusar ordens absurdas do presidente da República, não deveria estar no cargo. Há certos limites que simplesmente não podem ser cruzados num Estado Democrático de Direito.

A ordem de suspensão das contas dos bolsonaristas radicais, dada pelo ministro Alexandre de Moraes em maio e cumprida pelas empresas apenas na semana passada – sob pena de multa diária de R$ 20 mil caso fosse descumprida –, deu azo a um acalorado debate sobre os limites da liberdade de expressão. Foi com base neste direito fundamental, a propósito, que a AGU interpôs a ação no STF, alegando que “as medidas de suspensão ou bloqueio de contas nas redes sociais para fazer cessar o direito de manifestação dos investigados configuram-se como desproporcionais e contrárias ao direito à liberdade de expressão e ao devido processo legal, os quais constituem preceitos fundamentais da ordem constitucional”.

Em primeiro lugar, a liberdade de expressão dos mais proeminentes camisas pardas do bolsonarismo não foi cassada. Tanto não foi que todos os atingidos pela decisão do ministro Alexandre de Moraes continuam se manifestando livremente por meio de blogs, mensagens de WhatsApp ou vídeos no YouTube, plataformas não atingidas pela decisão. E inclusive fazem uso de tais ferramentas para ensinar uns aos outros – e a seus seguidores – como alterar as configurações do Twitter e do Facebook a fim de permitir que as publicações possam ser vistas. Uma maneira nada sutil de fazer pouco-caso de uma decisão da mais alta Corte de Justiça do País e que ilustra muito bem o animus dessa gente. Em segundo lugar, caberia ao Ministério Público Federal ingressar com a ação no STF caso tivesse havido, de fato, a violação de um direito fundamental.

A Lei Maior permite que qualquer cidadão manifeste livremente as suas opiniões, até mesmo opiniões contrárias ao STF ou, no limite, à própria ordem constitucional. Prática muito diferente é a atuação articulada e profissional das redes bolsonaristas de forma a atingir milhões de pessoas por meios fraudulentos com mensagens que falseiam o debate público e incitam a violência contra pessoas e instituições. Discurso contramajoritário é uma coisa. Discurso criminoso é outra, intolerável.

 

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