Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Quando foi promulgada em 1988, a Constituição estabelecia mandato presidencial de cinco anos e proibia a reeleição. Em 1994, o Congresso reduziu o mandato para quatro anos. Depois, foi aprovada a Emenda Constitucional (EC) 16/1997, permitindo a reeleição do presidente da República, governadores e prefeitos, para um único mandato subsequente.
Tal possibilidade alinhava-se com a experiência positiva de vários países, conferindo ao eleitor o direito de avaliar a oportunidade de manter num segundo mandato o presidente da República, o governador ou o prefeito. Além disso, a permissão da reeleição era o reconhecimento de que, com as complexidades contemporâneas da vida social e econômica, dificilmente programas de governo se realizam em um único período de quatro anos.
Agora, depois de mais de 20 anos da EC 16/1997, é de reconhecer que a possibilidade de reeleição de presidente da República, governador e prefeito produziu resultados muito diferentes dos esperados inicialmente. Recentemente, Fernando Henrique reconheceu, em artigo no Estado, que o instituto da reeleição foi um erro. “Em vez de pedir que no quarto ano o eleitorado dê um voto de tipo ‘plebiscitário’, seria preferível termos um mandato de cinco anos e ponto final”, escreveu.
Em vez de ampliar a liberdade de escolha do eleitor, o instituto da reeleição aumentou o desequilíbrio do processo eleitoral. “Quem tem o poder tem a máquina, o dinheiro público e todo o arsenal de programas populistas. A disputa é tão desigual quanto a alternância no poder é crucial à prática democrática”, escreveu Rosângela Bittar no Estado.
Mas não é só nas eleições que se veem efeitos negativos do instituto da reeleição. Um dos objetivos da EC 16/1997 era possibilitar a concretização de políticas públicas de longo prazo, com uma agenda pública mais estável e de maior alcance no tempo. Verifica-se, no entanto, o contrário. A possibilidade de um segundo mandato tem levado a um desvirtuamento do exercício do poder, que fica excessivamente condicionado pela questão eleitoral desde o início do primeiro mandato.
O fenômeno é perverso com o eleitor e com o interesse público. O governante nem mesmo começou a realizar o que prometeu fazer na campanha eleitoral e já está de olho nas próximas eleições. O instituto da reeleição, que era a oportunidade de um maior compromisso com o eleitor, vem-se tornando, por mais paradoxal que possa ser, incentivo para o descarte quase instantâneo das promessas eleitorais. O poder não é mais um meio para realizar o que se anunciou na campanha, e sim mera busca de sua continuidade.
É o que se vê no governo Bolsonaro. Na campanha eleitoral, o então candidato do PSL disse almejar um único mandato e prometeu trabalhar para que o Congresso extinguisse o instituto da reeleição. “Eu pretendo fazer (…) uma excelente reforma política para acabar com instituto da reeleição, que no caso começa comigo, se eu for eleito”, disse Bolsonaro. No entanto, já no primeiro semestre de governo, o presidente Bolsonaro falou da reeleição. “Se eles (os parlamentares) não aprovarem uma boa reforma política e o povo quiser, estamos dispostos a continuar por mais quatro anos”, disse em junho de 2019. Agora, antes de completar a metade do mandato, a agenda reformista prometida na campanha foi deixada de lado, e a prioridade de Jair Bolsonaro são as medidas de maior apelo popular, em especial os programas de transferência de renda. Sem nenhum constrangimento, o objetivo imediato do presidente são as eleições de 2022.
Tamanha é a certeza de que a máquina estatal proporcionará mais quatro anos de poder que, em maio, Jair Bolsonaro anunciou: “Vou sair (do Palácio do Planalto) em 1.º de janeiro de 2027”. A frase revela com clareza o quadro atual. O instituto da reeleição, que deveria proporcionar maior amplitude de escolha para o eleitor e, consequentemente, maior responsabilidade para os governantes, acabou por inverter a lógica da política. No exercício do poder, pode-se fazer tudo errado, o único que importa é ser reeleito.
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