Notas & Infomações, O Estado de S.Paulo
25 de março de 2020 | 03h00
Socorrer o trabalhador é muito mais que uma questão de humanidade. É uma exigência, também, do mais prosaico espírito prático. Ao proteger o poder de compra das famílias, o governo tornará menos difícil o início da recuperação, quando a tormenta amainar. O ministro da Economia, Paulo Guedes, mencionou formas de proporcionar alguma renda ao assalariado quando houver suspensão do contrato. O governo poderá garantir um quarto do salário normal ou até um terço. Será uma compensação parcial do corte imposto pela empresa, segundo explicou numa entrevista ao Estado, publicada ontem. Faltou algo desse tipo – uma regra de remuneração – na Medida Provisória 927, revogada parcialmente, na segunda-feira, horas depois de publicada.
A omissão foi um esquecimento, explicou o ministro, e o presidente da República, segundo ele, se queixou com razão de ter apanhado dos críticos por causa disso. Mas o drama dos trabalhadores, nesta crise, vai muito além da suspensão de contratos e de redução de salários. Muitos já estavam desempregados quando o coronavírus desembarcou no Brasil. Quase nada foi feito no ano passado para reduzir o desemprego.
Além disso, em 2019 cresceu a fila de espera do programa Bolsa Família. O governo estreitou a porta de ingresso a partir de maio, condenando ao relento cerca de 1,5 milhão de famílias. Agora o Executivo promete ampliar o número de beneficiários, como parte da estratégia anticrise. Mas essa gente já estava à espera antes da crise.
Quando o vírus começou a assustar o mundo, o Brasil tinha cerca de 11,6 milhões de desocupados e 26,2 milhões de pessoas subutilizadas (desempregadas, subempregadas, desalentadas e distantes de qualquer oportunidade na chamada força de trabalho potencial).
Ao ser atingido pela epidemia, o País já estava, portanto, muito debilitado, em situação muito parecida com a de um doente desassistido ou mal assistido. Os números do varejo comprovam essa condição. Em janeiro, o comércio varejista vendeu 1% menos que em dezembro, recuando pelo segundo mês consecutivo. Foi o pior janeiro desde 2016 (-2,6%), quando o Brasil entrava no segundo ano da última recessão. O volume vendido aumentou 1,8% em 12 meses, mas o movimento diminuiu na passagem de 2019 para 2020. A média móvel trimestral caiu 0,4% no período encerrado em janeiro, em mais uma prova dos efeitos das más condições de emprego e renda. Os últimos números foram divulgados ontem pelo IBGE.
A fraqueza do comércio varejista combina com o baixo dinamismo da indústria. Com aumento de 0,9% em janeiro, a produção industrial ficou longe de retornar ao nível de outubro, anterior à queda de 2,4% nos dois meses seguintes. Mas, além da modesta expansão do volume produzido, os dados de janeiro trouxeram pelo menos um detalhe animador. O avanço em 13 dos 15 locais cobertos pela pesquisa foi o mais disseminado desde junho de 2018, quando a indústria começou a superar o impacto da paralisação desastrosa dos caminhoneiros.
Mesmo sem a crise desatada pelo coronavírus, já seria difícil desemperrar os negócios, com as condições externas desfavoráveis e um mercado interno travado pelo desemprego. Com muita ociosidade, a indústria poderia responder à demanda maior sem necessitar de investimentos iniciais. Mas faltaria o primeiro impulso. Esse impulso dificilmente virá de reformas ainda em tramitação ou nem apresentadas. Mas o desafio será muito maior se os efeitos da nova crise tornarem o quadro muito pior do que era antes do vírus.
Novos danos serão inevitáveis, até por causa de medidas necessárias, como a quarentena. Dificuldades muito maiores serão evitadas, se o governo garantir algum poder de compra às famílias, com medidas como liberação do FGTS, complementação salarial, seguro-desemprego e distribuição eficiente do Bolsa Família. A liberação de R$ 1,2 trilhão para o sistema financeiro, pelo Banco Central, foi um passo notável e um exemplo de eficiência para o Executivo. Mas é preciso, desde já, evitar um empobrecimento maior de dezenas de milhões de pessoas.
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