Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Com o pior resultado em 13 anos, a arrecadação federal mostrou em abril os primeiros impactos da crise provocada pelo surto de coronavírus. O governo da União recolheu R$ 101,15 bilhões, 28,95% menos que um ano antes, descontada a inflação. Foi o menor valor para o mês na série registrada a partir de 2007. A receita foi prejudicada pela nova redução da atividade econômica, ainda no início, e por facilidades fiscais concedidas a contribuintes. Em relação a março a queda foi de 7,52%. Esses números são o prenúncio de um ano excepcionalmente ruim para as contas públicas e de enormes problemas de ajuste no próximo ano. Mas esses problemas só estarão na agenda, nos próximos meses, se o toma lá dá cá com os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro permitir manter algum compromisso com a seriedade fiscal.
Os efeitos da nova crise são menos visíveis quando se consideram os valores acumulados nos primeiros quatro meses. No ano, a arrecadação chegou a R$ 502,29 bilhões. Foi o pior desempenho para o período desde 2017, mas a queda em relação aos meses de janeiro a abril de 2019 ficou em 7,45%. Embora considerável, essa redução é muito menos assustadora que a observada a partir de abril. Apesar disso, os sinais de problemas já eram claros no primeiro trimestre.
Em fevereiro e em março os valores mensais da arrecadação já foram menores que os de um ano antes. A economia já estava mal, antes da nova crise, e isso se refletia na receita tributária. O ano começou com a indústria em marcha lenta e com o desemprego ainda acima de 12% da força de trabalho. O pouco empenho em reativar a economia no primeiro ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro deixou uma herança muito ruim para 2020. Restrições sociais implantadas na reação inicial à covid-19 agravaram um quadro econômico já muito insatisfatório.
O governo enfrentou os novos problemas com aumento de gastos e alívio de obrigações fiscais. Procurou-se, com várias medidas, proporcionar algum fôlego às empresas, principalmente às micro, pequenas e médias, e preservar empregos. O Banco Central (BC) procurou atuar paralelamente ao Tesouro, ampliando o volume de recursos disponíveis para o setor bancário e estimulando a concessão de mais empréstimos. Os primeiros movimentos de resposta à crise ocorreram em março.
Desonerações já vigoravam no começo do ano, como heranças de políticas implantadas bem antes da covid-19. A essas facilidades se acrescentaram aquelas decididas a partir dos efeitos iniciais da pandemia. No ano, as desonerações produziram renúncia fiscal acumulada de R$ 34,99 bilhões. Um ano antes o valor havia chegado a R$ 32,16 bilhões. Comparados os meses de abril, as facilidades passaram de R$ 8,08 bilhões para R$ 9,96 bilhões, em valores corrigidos.
Em abril, a perda de receita foi causada em parte pela baixa da atividade e em parte pelo adiamento na liquidação de tributos. A redução da atividade resultou em queda de R$ 4,21 bilhões no recolhimento de tributos, segundo o chefe do Centro de Estudos Tributários da Receita Federal, Claudemir Malaquias. A maior parte da redução é atribuível a pagamentos adiados, a desonerações e a compensações tributárias.
Os efeitos diretos da contração econômica, isto é, do menor consumo, da menor produção e do menor volume de serviços intermediários, como transporte e armazenamento, devem ser mais visíveis nos dados fiscais de maio. A esses fatores deverão somar-se, no balanço geral, os gastos com apoio a trabalhadores e a empresas.
O resultado final dependerá da evolução efetiva da atividade econômica. O Produto Interno Bruto (PIB) será 4,7% menor que o de 2019, segundo recente estimativa oficial. O secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, já admitiu o risco de queda superior a 5%. Essa hipótese está alinhada à mediana das projeções do mercado. Por enquanto, a estimativa oficial indica um déficit primário (sem os juros) de uns R$ 600 bilhões. Uma reabertura precipitada, com repique da epidemia, poderá resultar em cifras econômicas muito piores.
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