05 de outubro, 2024

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Orçamento bolsonarista é a quadratura do círculo

Notas&Informações, O Estado de S.Paulo

Governar é fazer escolhas, e a elaboração do Orçamento talvez seja a mais relevante delas. É ali que o Executivo lista as prioridades do presente, as heranças do passado e as perspectivas de futuro. O Orçamento de 2023, tudo indica, representará a essência da administração Jair Bolsonaro. Um presidente que se recusa a governar não poderia apresentar nada além de um amontoado de gastos obrigatórios, promessas de campanha inexequíveis e verbas loteadas entre aliados do Centrão. Como mostrou o Estadão, técnicos do Ministério da Economia estão quebrando a cabeça para fechar o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) do ano que vem. O motivo são os recorrentes pedidos de Bolsonaro por novas despesas e renúncias de receitas. Não são iniciativas para aumentar a parcela do investimento público de forma a impulsionar o crescimento econômico, tampouco medidas para elevar os recursos reservados para pesquisa, ciência e tecnologia, fundamentais para um país que pensa no longo prazo. São simplesmente acenos que tentam tirar da estagnação a candidatura de um presidente desesperado por sua reeleição.

Até o dia 31 de agosto, os técnicos terão que enviar uma proposta ao Congresso. Fechar as contas demandará rezar por um milagre ou apelar ao malabarismo. Bolsonaro pediu à equipe econômica para incluir um reajuste linear de 5% nos salários de todo o funcionalismo público, congelados desde 2017 na maioria das carreiras. Quer que o piso do Auxílio Brasil, temporariamente elevado a R$ 600 até dezembro, seja mantido nesse mesmo valor a partir de janeiro. E a ordem mais recente é atualizar a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física no ano que vem. À Rádio Guaíba, Bolsonaro disse que a revisão já estaria garantida, faltando apenas definir o porcentual da correção. “Imposto de Renda está virando um redutor de renda”, afirmou o presidente.

Nisso o presidente tem razão. Manter inalterada a tabela do Imposto de Renda é aumentar indiretamente a carga que incide sobre o trabalhador formal ao sabor da inflação. Se tudo permanecer como está, quem ganhar 1,5 salário mínimo em 2023, ou R$ 1.965, passará a ser tributado na fonte. É justo que parte dos servidores, especialmente aqueles com rendimentos mais defasados, tenham alguma recomposição. É provável que o piso do Auxílio Brasil seja insuficiente para famílias monoparentais chefiadas por mães e seus filhos pequenos. Todas essas demandas têm mérito, mas atender a uma ou a todas elas impõe fazer escolhas, tudo que Bolsonaro nunca fez como presidente. Ele sabe que não há como incluir tudo isso no Ploa – e o fato de o Ministério da Economia, às vésperas da eleição, ter escondido o valor bloqueado das emendas de relator, tudo para evitar uma guerra com o Congresso, só reforça o nível de ficção a que o Orçamento chegou sob o atual governo.

Candidatos que não estão investidos no cargo podem fazer as promessas que desejarem livremente. Como adversários e desafiantes do incumbente, eles têm, a seu favor, a falta de conhecimento prévio sobre as agruras da gestão orçamentária. Uma vez eleitos, o esperado é que o peso da responsabilidade inerente à função pública os obrigue a enfrentar a dura realidade das contas públicas sem ilusões. Bolsonaro, ao contrário, não detém mais essa prerrogativa. É o resultado de seu trabalho como governante que estará sob avaliação do eleitor, não suas promessas futuras ou reeditadas. Ao insistir em vestir o figurino de candidato, como se presidente não fosse, ele demonstra ter consciência de que esse julgamento não lhe será favorável. Apavorado, renova, na reta final de seu mandato, o rol de compromissos que foi incapaz de cumprir. Assim, além do legado de destruição e retrocessos sem precedentes na história brasileira, Bolsonaro deve deixar um Orçamento inviável como herança para seu sucessor. Quatro anos de completo desgoverno exigirão do futuro presidente escolhas ainda mais difíceis, sobretudo para compensar as decisões de um mandatário que nunca honrou os votos conquistados.

 

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