11 de outubro, 2024

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Orçamento secreto, o ‘novo normal’

Notas&Informações, O Estado de S.Paulo

Triunfantes após o resultado do primeiro turno das eleições, os partidos que integram o Centrão têm deixado claro não ter intenção de dar fim ao orçamento secreto. Formado pelo PL, PP, União Brasil e Republicanos, o grupo elegeu 246 deputados federais, quase metade da Câmara Federal, e terá papel fundamental na aprovação de qualquer projeto que vier a ser proposto pelo presidente eleito em 30 de outubro. Antes mesmo dessa definição crucial para o futuro do País, suas lideranças têm sinalizado que não aceitarão a retomada do controle do Orçamento pelo governo federal. É uma tentativa de estabelecer um “novo normal” entre as relações entre Legislativo e Executivo que, por óbvio, não pode ser considerado normal.
Ao Estadão, o presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP), disse não ver possibilidade de que a nova legislatura aceite mudanças no mecanismo do orçamento secreto, que garantiu sustentação política a Jair Bolsonaro. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), argumentou que as emendas de relator seriam uma maneira de impedir o retorno do mensalão e do “toma lá dá cá” dos governos petistas, como se os esquemas fossem muito diferentes e seu objetivo final não fosse essencialmente o mesmo.
Símbolo do clientelismo e da falta de transparência, as emendas de relator são uma excrescência na qual imperam o descontrole do gasto, a ausência de critérios técnicos e racionais e a captura de recursos públicos por interesses privados. Recursos bilionários têm sido manejados sem que o destino do dinheiro seja esclarecido e sem que os autores das indicações sejam identificados, impedindo uma avaliação concreta sobre o trabalho do parlamentar e a pertinência da despesa por ele proposta.
Ainda assim, no debate presidencial da Band, ao serem questionados sobre o que fariam para aprovar reformas sem comprar apoio legislativo, Bolsonaro e Lula deram respostas evasivas sobre o fim do orçamento secreto. Bolsonaro tenta lavar as mãos, dizendo que vetou a prática, mas a verdade é que seu governo encaminhou sua própria proposta sobre o tema e nunca se mobilizou de fato para derrubar essa aberração evidentemente inconstitucional. Lula, por sua vez, disse que tentaria confrontar a prática com a implementação de um “orçamento participativo” – antigo programa petista de “democracia direta” na elaboração orçamentária cuja inviabilidade é atestada pelo fato de que não foi implantado quando o PT governou o País.
Mesmo que seja derrotado na disputa presidencial, Bolsonaro deixa como legado um Orçamento ainda mais degradado e sobre o qual o Executivo já não tem mais poder. Se já não tinha autoridade para remanejar gastos obrigatórios que consomem 93% da peça orçamentária, o governo perdeu todo o controle sobre a minoritária parcela de gastos discricionários, hoje capturada por emendas paroquiais do Centrão. Para o ano de 2023, foram reservados R$ 19,4 bilhões para esses gastos, uma decisão que não poupou nem mesmo as verbas do Farmácia Popular.
Ao contrário do que a classe política tem sinalizado, o orçamento secreto não é algo inerente às relações entre os Poderes. Nesse sentido, ganha ainda mais relevância o julgamento das ações que questionam a constitucionalidade das emendas de relator pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Sob relatoria da ministra Rosa Weber, os processos devem ser pautados ainda neste ano, após a eleição. O julgamento pode representar um marco no resgate dos princípios da publicidade e da impessoalidade dos atos da administração pública.
No ambiente político conturbado proporcionado por quatro anos de bolsonarismo, tudo indica que caberá ao Supremo cumprir o papel de restaurar a normalidade e a moralidade das relações entre os Poderes, devolvendo o Orçamento ao Executivo e lembrando ao Legislativo que sua função é fiscalizar o uso desses recursos públicos. O Centrão pode até tentar reagir a esse movimento, mas não há Proposta de Emenda à Constituição capaz de dar caráter formal à transgressão de princípios constitucionais.

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