Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Em entrevista coletiva antes de deixar a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Dias Toffoli abordou tema de especial importância para as carreiras públicas e que, até agora, não tem recebido a devida atenção – os altos salários iniciais.
“Quando era estudante, de 1986 a 1990, no Tribunal de Justiça de São Paulo, eram quatro entrâncias. Então o juiz substituto, quando entrava no concurso público, ganhava 30% da remuneração de ministro do STF. Hoje, quando entra na carreira, ele está praticamente com 85% da remuneração. É até um desestímulo de ir subindo na carreira, virar desembargador, ir para um tribunal superior. Por quê? Porque a diferença remuneratória é muito pequena”, disse Toffoli.
Em um momento em que se fala de reforma administrativa e de eficiência do setor público, é muito oportuno o alerta do ministro Dias Toffoli. Não faz sentido que, ao longo da carreira pública, seja do Judiciário, do Executivo ou do Legislativo, não haja uma significativa progressão salarial.
É evidente a consequência imediata dos altos salários iniciais. “Não tem o atrativo, com o passar do tempo, como há em muitas carreiras e no setor privado: a pessoa começa ganhando e, com sua meritocracia e seu trabalho, vai galgando maiores responsabilidades”, lembrou o ministro Dias Toffoli. Não há razão para o setor público desconsiderar este dado básico da experiência humana – a obtenção de um trabalho bem feito exige oferecer os estímulos adequados, no momento oportuno. Se, logo após passar no concurso público, ao dar os primeiros passos na carreira, a pessoa já ganha o mesmo valor que irá receber, por exemplo, três décadas depois, não há estímulo para progredir, para se aperfeiçoar, para crescer dentro da carreira.
Os altos salários iniciais transmitem uma mensagem daninha aos iniciantes da carreira. Por mais que haja esforço, por mais que a eficiência aumente, por mais que com o tempo haja progressivo aumento da maturidade e da experiência – elementos indispensáveis ao bom andamento de qualquer atividade –, nada disso fará diferença, nada disso receberá qualquer recompensa. Faça bem feito ou mal feito, cresça ou não na carreira, assuma ou não maior responsabilidade, a remuneração continuará muito semelhante àquela que todos receberam nos primeiros meses após passar no concurso público.
O problema dos altos salários iniciais não se restringe à ineficiência. Se a ausência de estímulo ao trabalho bem feito conduz a que alguns fiquem acomodados, essa mesma situação representa a outros um apetitoso convite à corrupção. Logicamente, a ausência de aumento salarial ao longo da carreira não justifica, sob nenhuma hipótese, a participação em esquemas ilegais. No entanto, seria ingenuidade não perceber que um sistema falho em prover a devida recompensa ao trabalho bem feito estimula, nos mais fracos, a corrupção. São abundantes os exemplos indicando que, num ambiente profissional que não valoriza o trabalho bem feito, há maior propensão a práticas ilegais.
As carreiras públicas têm especificidades, que devem ser respeitadas pelo regime jurídico que regula tais atividades. Trata-se de uma consequência inarredável da busca pela eficiência. É preciso assegurar condições para que o serviço público, em todas as esferas, se desenvolva da melhor forma possível. Dentro dessa mesma lógica, não há motivo para continuar promovendo distorções que geram, a olhos vistos, danos sobre todo o sistema. Os altos salários iniciais são um desses desequilíbrios.
“O Congresso tem todo direito de discutir este tema e estabelecer parâmetros para que o Estado possa ter uma atuação orçamentária e não privilegie segmentos, e possa atender os mais pobres e vulneráveis”, disse Toffoli. Que o Poder Legislativo não tenha receio de enfrentar o assunto – e que o Judiciário e o Executivo, dentro de suas respectivas competências constitucionais, façam as oportunas propostas relativas às suas carreiras. Trata-se de um problema grave demais para ser ignorado.
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