Os consumidores nos supermercados estão cada dia mais parecidos: eles querem comprar bem, barato, perto e rápido. Foi o que mostrou a sondagem realizada pelo Sincovaga no segundo semestre de 2019, em que foram levantados os aspectos mais valorizados nesses estabelecimentos.
O diferencial mais citado foi o preço, com 24,4% das respostas, seguido pela qualidade dos produtos (17,8%), localização (15,7%), variedade (14%), atendimento (12,5%), limpeza (9,6%) e atendimento no caixa (6%).
Ter uma boa avaliação em todos esses aspectos ao mesmo tempo pode parecer impossível para o pequeno varejista de alimentos, mas não é, segundo especialistas. Ao contrário, a busca pela melhoria pode até criar oportunidades para esses estabelecimentos, que são mais enxutos e ágeis.
Uma dessas pedras no sapato é tentar obter o melhor preço nos produtos e fugir da concorrência das grandes redes. “De fato, essa é uma das principais dificuldades deles e é vital para a sustentabilidade do negócio. Para vender mais, de forma simples, o varejista tem duas opções: ser competitivo em preço ou se diferenciar em serviços. No entanto, para ser competitivo em preço, é preciso ter bons custos, e para ser diferenciado em serviço, normalmente é preciso ter mais despesas”, avalia Felipe Matricardi, consultor da Falconi.
Então, como atuar nesse sentido em um segmento com margens tão reduzidas? Segundo o consultor, o varejista na maioria das vezes não negocia custo e sim volume. Para conseguir melhores custos, é preciso comprar maiores volumes da indústria e dos distribuidores.
“Se o empresário não tem demanda para adquirir grandes volumes, é importante aproveitar a negociação de quem tem. É muito comum a indústria fechar grandes parcerias com alguns atacados e o valor de venda ser menor que o custo de grandes redes supermercadistas, inclusive. Então, ter uma cotação com os principais atacados é sempre uma grande alternativa para conseguir melhores custos”, orienta o especialista.
“Uma boa saída para aumentar o volume de compras para os pequenos é se juntar a outros do mesmo porte e formar uma ‘rede’, unificando a compra, aumentando o volume e reduzindo custos. Além disso, a eficiência é vital. Tendo em vista que os volumes são baixos e dificultam a negociação com fornecedores, ser eficiente é essencial”, destaca Matricardi.
Para Bruno Binati, diretor de Planejamento e Branding da Varejo Extreme, o foco do varejista deve estar na qualidade e no padrão do produto para conseguir melhores preços. “Grandes redes têm volume, mas nem sempre têm padrão e pecam muitas vezes na qualidade. Outra coisa que vem pesando na decisão dos compradores é a excelência do serviço. Um atendimento que realmente seja um diferencial traz clientes que se importam menos com o preço”, analisa.
Outro ponto sensível é a variedade. “O primeiro passo para se definir um bom mix é entender qual a necessidade do seu público. Supermercados que possuem recursos tecnológicos podem se utilizar de análises estatísticas para verificar os produtos mais consumidos, cruzando com características socioeconômicas da região em que a loja está inserida”, diz Matricardi, da Falconi.
Entretanto, mesmo sem contar com recursos tecnológicos, essa também deve ser uma prioridade do pequeno varejista. Se o empresário não consegue definir o mix com base em análises, o simples fato de conversar diariamente com o público, buscando entender se eles encontraram os produtos que procuravam, se estão satisfeitos e quais as principais reclamações, já auxilia a orientar a decisão. “O empresário deve verificar quais produtos estão com giro baixo, aqueles que os consumidores não estão buscando. De forma complementar, é importante sempre estar por dentro do que os concorrentes estão fazendo. Visitas frequentes aos concorrentes podem auxiliar na definição do mix ideal da loja”, afirma.
Observar é um bom começo, alerta Binati, da Varejo Extreme. “Quando prestamos atenção ao comportamento do comprador, vendo o que ele busca e perguntando o que ele mais gostaria de encontrar ali, isso nos dá uma boa direção sobre o que estamos fazendo. Se estiver certo, conseguir potencializar.”
Nesse momento, segundo os especialistas, surge a dúvida: é mais vantajoso ter variedade ou um mix mais enxuto?
“O principal é definir qual o foco da empresa e o entendimento sobre as necessidades do público pode auxiliar nisso. Esse fator é importante para que o empresário não tente ter uma grande variedade de produtos, ser muito barato e agregar muitos serviços, o que, na maioria das vezes, tende a comprimir muito a margem de lucro, assim como a sustentabilidade do negócio. O ideal é ter uma boa variedade no que é o foco e ser enxuto no restante”, orienta o consultor da Falconi.
“Não existe uma regra de ouro. Em alguns pontos, a variedade vai ser melhor. Em outros, ser um ‘especialista’, com um mix mais enxuto, porém direcionado, será mais vantajoso. O principal fator de decisão é o onde ele vai conseguir ser mais eficiente e mais rentável”, afirma Binati, da Varejo Extreme.
Padrões e processos – Nos tempos atuais, de tantos avanços tecnológicos, ver um aspecto como a higiene ser citado como diferencial pode parecer bizarro, mas ainda é muito negligenciado pelo varejo de alimentos, na visão dos consultores.
Normalmente, essa é uma questão relacionada à padronização e ao controle de processos, na opinião de Felipe Matricardi, da Falconi. “Todos na loja sabem que a limpeza é importante e que deve ser feita, mas se não existe um padrão dizendo a frequência em que deve ser realizada em cada área, quem é o responsável em cada turno, quem é o responsável por verificar se a loja está limpa, ou mesmo o que é considerado uma ‘loja limpa’, as pessoas se envolvem na rotina e esquecem de realizar essa atividade tão importante.”
Ter padrões é importante para a operação de loja, pois o dinamismo do dia a dia faz com que as rotinas simples, porém essenciais, não sejam feitas. E isso não precisa ser doloroso e nem burocrático. “Tenho visto algumas boas práticas relacionadas a esse aspecto, tais como definir um guardião dentro da loja para cada tema importante, como energia e limpeza, por exemplo. Algumas organizações adotam padrões visuais para lembrar e orientar o time, como adesivos no interruptor com o horário em que cada lâmpada deve ser acesa, deixar fotos na retaguarda da loja com padrões de limpeza que devem ser seguidos, entre outras iniciativas”, avalia Matricardi.
Não apenas o cuidado com a limpeza, que é óbvio, costuma ser negligenciado. “Quando o foco está no produto e não no cliente, outros problemas acontecem. Precisamos analisar que tipo de serviço e experiência ele vai valorizar para voltar ao meu mercadinho, em vez de ir a uma grande rede. Não posso ficar apostando só em localização e conveniência. Algumas pessoas se dispõem a andar um pouco mais para encontrar algo que tem mais valor, seja um bom atendimento, um local pet friendly ou com horário diferenciado”, orienta Binati, da Varejo Extreme.
Treinamento x sobrevivência – Baseado em sua experiência, o consultor Bruno Binati, da Varejo Extreme, lista um dos comportamentos mais comuns no varejo de alimentos: geralmente o dono da loja não qualifica quem vai treinar e não valoriza os funcionários, mas quer que eles valorizem os seus clientes. “O sentimento que queremos entregar na ponta precisa vir de cima. Se não trato com respeito meus colaboradores e não dou suporte e treinamento suficientes para eles, isso vai ser refletido por todos os setores”, afirma.
E é aí que, para ele, estão muitos dos trunfos dos pequenos mercadinhos. “Acredito que os donos desses estabelecimentos menores têm a maior das oportunidades nas mãos. Eles podem tratar os consumidores pelo nome, sorrir para todos que entram, cuidar das necessidades de cada um, chamar os funcionários pelo nome e ter uma preocupação real com o que cada um está fazendo.”
Binati conta que uma coisa que aprendeu no varejo é que ser bem-educado ou mal-educado custa igual. “Comece por diferenciar a recepção, ajude pessoas com mais idade, resolva os problemas, em vez de cria-los. Deixe as regras e as dificuldades para os grandes e aproveite as vantagens de ser menor, entregando algo de muito mais valor e qualidade”, completa.
Treinar por treinar também não é a solução, segundo Felipe Matricardi, consultor da Falconi. “Nesse sentido, dois erros são mais comuns. O primeiro é não dar clareza para os colaboradores sobre o que de fato se espera deles. Por vezes, é dito para o funcionário que ‘é preciso dar um bom atendimento’. Mas o que é um ‘bom atendimento’? Apenas dizer bom dia ou boa tarde com um sorriso no rosto? Levar o cliente até a gôndola com o produto que ele procura? Carregar o carrinho para quem está com dificuldade? Isso precisa ser claro para o colaborador”, analisa.
O segundo erro está na falta de verificação do cumprimento do que foi estabelecido. “Após treinar de forma clara os colaboradores é preciso verificar no dia a dia se eles estão cumprindo o que foi acordado e, caso não estejam, agir corretivamente. Essa ação corretiva pode ser de reciclagem de treinamento, feedback pontual ou até mesmo a melhoria no padrão estabelecido.”
O exemplo do dono deve servir de inspiração à equipe. “Bom atendimento só faz quem realmente se preocupa e gosta de gente. Para tanto, os donos precisam ser exemplos para os funcionários, marcar presença no dia a dia da loja, atendendo pessoalmente os fregueses, fazendo com que eles se sintam importantes para seu negócio e escutar”, reforça.
“Assim, além de proporcionar um bom atendimento, o empresário também fará com que a equipe entenda qual é o nível de atendimento ideal. Esse é um diferencial que o pequeno varejista pode e deve usar a seu favor, pois o calor humano agrega muito valor à experiência de compra”, completa Matricardi, da Falconi.
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