Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Não é figura de linguagem dizer que, no Brasil, os partidos políticos têm donos. É a mais estrita realidade, como comprovam os números relativos aos recursos destinados pelas legendas a seus dirigentes. Segundo noticiou o Estado, os partidos repassaram R$ 144 milhões a pessoas físicas em 2018, último ano com prestação de contas integralmente disponível. Desse total, R$ 12,4 milhões (9%) foram pagos aos responsáveis administrativos dos diretórios nacionais ou estaduais das siglas. Os partidos têm donos, que recebem vultosos dividendos.
O levantamento foi feito pelo Movimento Transparência Partidária (MTP), que, a partir dos dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cruzou as informações sobre a composição das direções partidárias e os pagamentos feitos pelas legendas a pessoas físicas.
Tal relação de propriedade, assegurando renda farta aos titulares das legendas, é especialmente escancarada em alguns partidos nanicos, com alto porcentual de recursos destinados a pessoas físicas. Por exemplo, o Partido da Mobilização Nacional (PMN) destinou 57% dos recursos a pessoas físicas. Por sua vez, o Partido Republicano Progressista (PRP), que, no final de 2018, foi incorporado ao Patriota, destinou, em seu último ano de funcionamento, 47% dos recursos a pessoas físicas. Não muito atrás ficou o Partido Humanista da Solidariedade (PHS), que em 2018 destinou 46% dos recursos a pessoas físicas. No ano passado, o PHS foi incorporado ao Podemos.
Segundo o levantamento do MTP, a pessoa física que mais recebeu recursos de uma agremiação política em 2018 foi Eduardo Machado, presidente do antigo PHS e hoje vice-presidente do Podemos. Em 2018, Eduardo Machado recebeu R$ 769.436 a título de “adiantamentos diversos”.
Entre as dez pessoas físicas que mais receberam recursos está também Luiz Claudio França, outro ex-dirigente do antigo PHS. Em 2018, ele recebeu R$ 355.516, sob as rubricas de “salário e ordenados”, “reembolsos com transporte e refeições” e “outras despesas com pessoal”. Os valores pagos a Eduardo Machado e a Luiz Claudio França representaram 97% do total pago pela antiga legenda a dirigentes em 2018.
Os dois dirigentes do antigo PHS asseguraram a inexistência de qualquer irregularidade na concentrada destinação dos recursos. “O presidente recebia o salário mais alto e o secretário-geral recebia 90% desta remuneração, além de eventuais reembolsos de despesas. Tudo declarado e oficial, sem qualquer ilegalidade”, disseram ao Estado, por meio de nota.
O problema é precisamente este. A lei avaliza um sistema completamente equivocado e disforme, destinando recursos públicos a entidades privadas, cujos donos usam os recursos como bem entendem, tal como indica o levantamento do MTP.
Os partidos são entes privados e não há motivo para que o Estado financie suas atividades e, menos ainda, seus dirigentes. O atual sistema assegura às legendas recursos públicos de dois fundos, alimentados com dinheiro do contribuinte. O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) e o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (Fundo Eleitoral) têm de ser extintos.
Fala-se que a “democracia tem um custo”. Sim, o Estado deve bancar o custo das eleições, por exemplo, os gastos relativos às urnas eletrônicas e à Justiça Eleitoral. Mas não é dever do poder público sustentar partido político, que, sendo entidade privada, deve buscar sua receita entre seus membros e apoiadores. A atividade partidária deve ser financiada pelo cidadão que, no livre exercício de seus direitos políticos, assim queira proceder.
Recursos públicos devem ser destinados às funções do Estado, e não ao bolso de dirigentes partidários. Além de respeitar a finalidade do dinheiro público, acabar com o custeio estatal das legendas é caminho de fortalecimento da democracia representativa. Sem recursos públicos, os partidos deixarão de ser feudos e poderão ser, de fato, entidades aptas a representar e a defender ideias e propostas políticas.
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