Recentemente, a 7ª turma do TRT da 1ª região proferiu uma decisão emblemática ao reformar uma sentença de primeira instância, que havia declarado a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar um caso envolvendo pejotização fraudulenta. Este acórdão é um exemplo marcante da aplicação do princípio da primazia da realidade e reforça o papel fundamental da Justiça do Trabalho em proteger os direitos dos trabalhadores em casos de fraude trabalhista.
Pejotização e competência da Justiça do Trabalho
A decisão de primeira instância, com base em precedentes recentes do STF, como o tema 725 de repercussão geral (RE 958.252), concluiu que a Justiça do Trabalho seria incompetente para julgar o caso. Segundo o entendimento inicial, as decisões do STF sobre terceirização e outras formas alternativas de contratação – como a pejotização – justificariam o deslocamento da competência para a justiça comum, uma vez que o contrato entre as partes era de natureza comercial.
Contudo, o acórdão da 7ª turma trouxe uma análise cuidadosa sobre o escopo dessas decisões. Embora o STF tenha de fato permitido formas alternativas de contratação entre empresas distintas, não houve qualquer legitimação de práticas fraudulentas, como a exigência de que trabalhadores se registrem como pessoas jurídicas para mascarar um vínculo empregatício. O acórdão ressaltou que o STF não excluiu a possibilidade de a Justiça do Trabalho julgar casos em que há indícios claros de fraude trabalhista.
Reconhecimento da pejotização fraudulenta
O conceito de pejotização refere-se à prática de contratar trabalhadores como pessoas jurídicas em vez de empregados regidos pela CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. Embora essa modalidade seja permitida em casos de prestação de serviços autônomos legítimos, é considerada uma fraude quando usada para disfarçar uma relação de emprego.
No caso em análise, o trabalhador, apesar de formalmente contratado como pessoa jurídica e obrigado a emitir notas fiscais, alegou que exercia suas funções sob condições típicas de um empregado, como a subordinação direta, jornada fixa, remuneração mensal e pessoalidade – requisitos que caracterizam um vínculo de emprego conforme os art. 2º e 3º da CLT.
A pejotização, portanto, foi utilizada de forma fraudulenta com o intuito de desviar a aplicação das leis trabalhistas, impedindo que o trabalhador tivesse acesso a direitos fundamentais, como FGTS, férias remuneradas e 13º salário. O tribunal entendeu que a realidade dos fatos deve prevalecer sobre o que foi formalmente registrado em contrato, aplicando o princípio da primazia da realidade. Ou seja, ainda que o trabalhador tenha sido contratado como PJ, a relação deve ser reconhecida como de emprego, caso os elementos típicos desse vínculo estejam presentes. A prática de pejotização, quando utilizada para fraudar direitos trabalhistas, é nula de pleno direito, conforme o art. 9º da CLT.
A relevância do princípio da primazia da realidade
A aplicação do princípio da primazia da realidade é fundamental para garantir que as relações de trabalho sejam avaliadas pela sua essência e não apenas pelo seu formato contratual. No caso, a decisão do TRT-1 reforça que, embora o contrato formal tenha sido de prestação de serviços, a relação entre o trabalhador e o empregador preenche todos os requisitos de um vínculo empregatício. Ao utilizar esse princípio, o tribunal garantiu que o trabalhador não fosse prejudicado pela simulação contratual criada pelo empregador.
Esse entendimento demonstra o compromisso da Justiça do Trabalho em proteger os trabalhadores contra fraudes, assegurando que suas condições reais de trabalho sejam analisadas com justiça. A tentativa de ocultar o vínculo de emprego por meio de contratos de prestação de serviços deve ser cuidadosamente investigada, especialmente em casos de pejotização fraudulenta.
Competência da Justiça do Trabalho e o art. 114 da CF/88
A 7ª turma enfatizou que, conforme o art. 114 da CF/88, a Justiça do Trabalho tem competência exclusiva para julgar ações decorrentes de relações de trabalho, incluindo aquelas em que o vínculo empregatício está disfarçado sob formas contratuais. O acórdão reforçou que a Justiça do Trabalho não pode ser afastada de casos onde há indícios de que o trabalhador foi induzido a se formalizar como pessoa jurídica para ocultar uma relação de emprego genuína.
A decisão foi clara ao afirmar que cabe à Justiça do Trabalho analisar o conjunto fático-probatório e decidir, com base nos princípios do Direito do Trabalho, se houve fraude na relação contratual. O reconhecimento de fraudes, como a pejotização, é essencial para evitar que empregadores utilizem artifícios contratuais para suprimir direitos trabalhistas fundamentais.
Implicações da decisão e precedente jurisprudencial
A decisão da 7ª turma do TRT-1 estabelece um precedente crucial no combate à pejotização fraudulenta. Ao reconhecer a competência da Justiça do Trabalho para julgar o caso e determinar o retorno dos autos à vara de origem para análise do mérito, o tribunal fortaleceu a responsabilidade de investigar profundamente as relações disfarçadas de trabalho. Com essa decisão, foi assegurado que a situação do trabalhador será examinada com base na realidade concreta da relação empregatícia, considerando os fatos e circunstâncias vivenciados, e não se limitando ao contrato formalmente celebrado entre as partes.
Além de reafirmar a competência da Justiça do Trabalho em casos dessa natureza, a decisão evidencia que a jurisprudência do STF não legitima práticas fraudulentas que buscam precarizar as condições de trabalho ou desviar a aplicação da legislação trabalhista. A sentença reforça que contratos que disfarçam vínculos empregatícios, como a pejotização, devem ser criteriosamente analisados e, quando identificada a fraude, corrigidos de forma rigorosa para garantir a proteção dos direitos dos trabalhadores.
Conclusão
Este caso ilustra de maneira clara a relevância do poder Judiciário trabalhista na defesa dos direitos dos trabalhadores diante de práticas contratuais fraudulentas, como a pejotização. A decisão da 7ª turma do TRT-1 reafirma o compromisso da Justiça do Trabalho em garantir que a realidade fática prevaleça sobre formalismos contratuais que buscam disfarçar vínculos de emprego, assegurando a proteção efetiva contra fraudes.
Em contextos como este, buscar orientação jurídica especializada é fundamental. O suporte de um advogado trabalhista experiente desempenha um papel crucial na proteção dos direitos dos trabalhadores, permitindo que fraudes, como a pejotização, sejam identificadas e combatidas com rigor, garantindo a preservação dos direitos assegurados pela legislação.
Antonia de Maria Ximenes Oliveira
Advogada especializada em Direito do Trabalho, Diretora Jurídica do SPC/RJ; Delegada da Comissão de Prerrogativas da OAB/RJ; possui especializações em Direito do trabalho como MBA em Acidente de trabalho/doenças ocupacionais, e em Direito Constitucional e Direitos Humanos – pela Universidade de Coimbra/PT.
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