A disseminação das lojas de vizinhança das grandes redes tem trazido preocupação a uma grande parcela de pequenos varejistas estabelecidos nos bairros. Não é raro encontrar estabelecimentos com décadas de atuação, que não conseguem lidar com a presença dos concorrentes, em alguns casos, a poucos metros de distância.
Para os especialistas, essa tendência é irreversível, o que praticamente obriga esses pequenos empresários a evoluir, sob a condição de inviabilizar a sua sobrevivência.
“Nos últimos 5 anos, as grandes redes precisaram rever seu modelo de negócio, em razão da instabilidade econômica no início dos anos 2000, e em seguida no ano de 2015, com a chegada da crise”, afirma Marcelo Viana, Diretor da T4 Consultoria. “Esses extremos fizeram com que os consumidores mudassem seus hábitos de compras, passando a adquirir somente o necessário, e por outro lado, as grandes redes viram seus custos fixos cada vez mais altos e os carrinhos dos clientes, mais vazios. A solução foi diversificar os negócios, manter-se próximo ao consumidor de bairro”, diz.
O fato é que essa expansão das grandes redes está longe de acabar. “Fica muito difícil prever o comportamento dessas companhias, porque elas são condicionadas por muitas variáveis, não apenas pelo comportamento do consumo. Essas redes, normalmente de capital aberto, são muito influenciadas por direcionamento macroeconômicos, que se norteiam por decisões estratégicas vindas da matriz”, avalia José Eduardo Carrilho, consultor do Sebae-SP. “Podemos afirmar que continua existindo uma tendência de lojas menores, mais disseminadas pelos bairros e, consequentemente, mais próximas ao consumidor, que deve se manter pelos próximos anos. Para o pequeno varejo, estar fisicamente próximo ao cliente, não é opção, é diferencial competitivo.”
Segundo Marcos Hirai, sócio-diretor da GS&BGH, empresa especializada em expansão em pontos comerciais do varejo, o mercado de lojas de vizinhança deve dobrar, com a entrada de redes que ainda não atuam nesse formato, em virtude da conveniência que oferecem. “Cada vez mais as pessoas têm dificuldade de locomoção e pouco tempo, então o advento desse tipo de supermercado de conveniência é uma solução. A opção de poder fazer compras sem depender de carro ou ônibus já é realidade em outros países, e começa a tomar força no Brasil com muito sucesso, o que deve intensificar a abertura de novas lojas”, analisa Hirai.
Viana, da T4 Consultoria, reforça que os mercadinhos são febre no exterior, principalmente nos grandes centros urbanos, onde os preços dos imóveis são mais altos e há mais opções de mobilidade urbana. “O consumidor europeu ou o japonês está habituado a um estilo de vida em que a proximidade entre o mercado e a residência faz a diferença, pois nem sempre dispõem de um veículo para transportar grandes compras”, exemplifica.
“É só lembrarmos que o objetivo desse modelo de lojas não é vender muito por cliente, mas vender muitas vezes para o cliente da vizinhança ou de passagem que busca praticidade, refeições rápidas, congelados e gêneros de primeira necessidade”, avalia Viana.
As lojas express também refletem as mudanças econômicas pelas quais o Brasil passou, na opinião de Carrilho, do Sebrae-SP: “A relativa novidade no Brasil tem explicação na nossa economia, que num passado recente de altíssima inflação obrigava as famílias a fazerem as chamadas ‘compras do mês’, estocando alimentos para preservar o poder de compra dos salários. Com a estabilização monetária em 1994, essas compras deixaram de ser tão importantes e fizeram com que o consumo fosse paulatinamente caminhando para uma situação mais parecida com a dos dias de hoje, ou seja, mais parcelado, portanto possível de ser realizado com mais agilidade, em lojas menores.”
Fora do Brasil, diz Carrilho, as preferências quantos aos formatos dos estabelecimentos diferem bastante. “Nos Estados Unidos proliferam as lojas com grandes superfícies, porém a Europa sempre se caracterizou por lojas de bairro, com grande predominância do comércio familiar.”
Mudança de comportamento – Na opinião dos consultores, as mudanças de comportamento dos consumidores nos últimos anos explicam em grande parte a aceitação desse novo modelo de estabelecimento.
“A definitiva inclusão da mulher no mercado de trabalho é o ponto de partida. Ao dispor de menos tempo para o preparo da comida, a busca por alimentos pré-preparados aumenta, e isso pode ser percebido até mesmo nas feiras livres, onde nos dias de hoje seria inconcebível vender mandioca cheia de terra. O consumidor quer essa mesma mandioca lavada, descascada, cortada, pré-cozida e embalada a vácuo, o que permite dispor dela quando necessitar”, explica Carrilho, do Sebrae-SP.
“O tamanho das famílias também diminuiu, o que influenciou no tamanho das embalagens e na oferta de porções menores. Outro fator que estimula o consumo em minimercados de bairro, próximos a sua residência ou local de trabalho, é a dificuldade de locomoção e o trânsito caótico dos grandes centros urbanos. Nessas grandes cidades, o tempo é um recurso cada vez mais escasso, e o consumidor não quer gastá-lo com deslocamento, quer soluções mais práticas e ágeis, de preferência que façam parte do seu dia-a-dia.”
“O consumidor mudou o hábito, passou a comprar em menor quantidade e se acostumou com a conveniência de ter um mercado perto de casa. Isso é mais comum nas áreas centrais, porém a oportunidade de crescimento nas regiões periféricas é grande, sob a condição de que preço e atendimento sejam diferenciais”, analisa Viana, da T4 Consultoria.
Davi x Golias – Se existe potencial, como os mercadinhos independentes podem sobreviver e ter sucesso em um ambiente tão competitivo? A respostas dos consultores é, em geral, evoluir e investir na operação, utilizando trunfos que as grandes redes não conseguem ter.
O consultor Marcelo Viana, da T4, reconhece que a tarefa não é fácil, mas é possível. “O mercadinho de bairro tem uma vantagem que é o atendimento pessoal. Além disso, pode adotar a entrega de mercadorias na casa do cliente, manter um olhar cuidadoso e atento nos preços, observar seu mix de produtos em relação às lojas express e buscar boas negociações junto aos fornecedores. Tudo isso vai garantir mais competitividade.”
O consultor José Eduardo Carrilho, do Sebrae-SP, é otimista quanto à capacidade dos pequenos. “Certamente que é possível concorrer, pois o mercadinho tem mais agilidade e capacidade de adaptação que as grandes redes, já que tem maior poder de decisão sobre seus rumos. Além disso, ao estar mais próximo, tem mais facilidade para entender a real necessidade do seu cliente e atendê-la. Com essa proximidade, consegue oferecer soluções mais customizadas.”
Ele, porém, reforça que o empresário precisa agir e deixar para trás velhos conceitos, pois os problemas não se resolvem sozinhos. “Um ponto que não pode ser esquecido é o atendimento, que deve ser empático e atento. Capacitar a equipe, por meio de treinamentos frequentes, é investimento, não gasto.”
Buscar parcerias locais é outra ferramenta essencial para a lucratividade, tendo em vista o setor apresentar margens pequenas, pressionadas, sobretudo, por alugueis muito caros e outras despesas fixas. “Comprar coletivamente alguns itens aumenta o poder de barganha e permite oferecer preços mais competitivos aos clientes, inclusive aumentando sua margem”, orienta o especialista do Sebrae-SP.
Outros pontos que não podem ser esquecidos, segundo os consultores, é o ambiente de loja, que deve ser limpo, iluminado e com informações bem visíveis, uma variedade de itens que seja adequada ao perfil do público e o controle adequado do estoque, para evitar rupturas, que acabam “empurrando” o consumidor para a concorrência.
“Conhecer os hábitos do consumidor é um dos grandes trunfos dos pequenos mercados, pois muita gente compra a vida inteira no mesmo local, conhece o dono e vice-versa. Nesse aspecto, as grandes redes ainda deixam a desejar, com um atendimento frio e muita rotatividade”, analisa Marcos Hirai, da GS&BGH.
De fato, nos pequenos varejos é muito comum os proprietários participarem do dia a dia do estabelecimento, ajudando a desenvolver um relacionamento positivo e próximo com os clientes, que acabam se tornando fiéis. Enquanto as grandes redes gastam milhões em pesquisa para saber quem é o seu cliente, os menores chamam os fregueses pelo nome. E sem gastar nem um real.
MAI/19
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