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Perdendo impulso

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

Passada a reação inicial à pandemia, a economia mundial perde impulso, num ambiente afetado pelo temor da variante delta, pela preocupação com a falta de vacina em países menos desenvolvidos, pela escassez de insumos industriais e pelas novas pressões inflacionárias, problemas sentidos no Brasil e nas potências mais desenvolvidas. A recuperação deve continuar, mas a perda de vigor é apontada nos Barômetros Globais, divulgados no País pela Fundação Getulio Vargas (FGV), e nos Indicadores Antecedentes da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A perspectiva de avanço ainda firme na China é uma boa notícia para todo o mundo e especialmente para o Brasil, muito dependente do mercado chinês para as exportações do agronegócio.

Nem a economia chinesa, no entanto, é imune à desorganização das cadeias de suprimento, como assinala comentário publicado pela FGV juntamente com os Barômetros. Passado pouco mais de um ano depois de iniciada a recuperação, o cenário global é menos animador. Em agosto houve recuo dos indicadores em todo o mundo, com quedas mais acentuadas no conjunto formado por Ásia, Pacífico e África. Nenhuma região está livre da insegurança agora percebida nos mercados.

Globalmente, o Barômetro Coincidente recuou 10,1 pontos, para 118,1, enquanto o Antecedente, sinalizador de expectativas, caiu 11,3 pontos, para 112. A sinalização, neste semestre, está pouco acima de onde esteve no decênio anterior, porque o nível 100 corresponde à média do período de janeiro de 2010 a dezembro de 2019.

Além das preocupações com variantes do vírus, com os problemas de suprimento e com os consequentes aumentos de custos, há o receio de políticas de aperto monetário para combate à inflação, como observou o pesquisador Paulo Picchetti, da FGV, ao apresentar os Barômetros Globais.

Sentido em todo o mundo, o surto inflacionário tem sido mais forte no Brasil, onde o Banco Central (BC) já iniciou uma política mais dura. Já elevados a 5,25%, os juros básicos poderão chegar a 7% no fim do ano, segundo indicação do Comitê de Política Monetária do BC, mas economistas do mercado já projetam 7,25%, uma taxa prevista para permanecer até dezembro de 2022. Na ata da última reunião do comitê, a palavra “aperto” é explicitada, caracterizando um recado mais duro e muito menos marcado pelos habituais eufemismos.

A perda de impulso da economia global já havia sido assinalada pela OCDE, no dia 10, em relatório sobre indicadores antecedentes. Por esses indicadores, pode-se esperar crescimento mais moderado em grandes economias, como Estados Unidos, Japão, Canadá, Reino Unido e zona do euro, incluídas Alemanha, Itália e França. A China deverá permanecer em crescimento firme, o ritmo permanecerá estável na Índia e haverá alguma moderação na Rússia. No caso do Brasil, a sinalização é de crescimento mais vagaroso. Os indicadores antecedentes incluem dados como expectativas de empresários e consumidores, evolução recente, formação de estoques e outros sinalizadores de tendências.

Apesar da eliminação gradual das medidas de contenção da pandemia e do progresso da vacinação, as incertezas podem afetar fortemente os indicadores, acentuando suas flutuações, advertem os economistas da OCDE. Por isso, acrescentam, convém avaliar com cautela a sinalização. A recomendação é compreensível, mas, no caso do Brasil, há razões particulares para prever perda de ritmo da atividade.

O mercado projeta crescimento de 5,30% para a economia brasileira neste ano, de 2,05% no próximo e de 2,50% nos dois seguintes. São estimativas muito parecidas, agora, com as do governo. O dinamismo deste ano, em parte verificado e em parte ainda previsto, é explicável como reação ao tombo de 4,10% em 2020. Não há por que esperar, no médio e no longo prazos, maior vigor de uma economia com baixo investimento produtivo, indústria fragilizada, escassa integração internacional e, como complemento, um governo mais empenhado em gerar tensões do que em definir rumos para a modernização.

A preocupação é procedente. Pedagogos e ONGs do setor educacional não escondem o receio de que, do modo pouco cuidadoso como a MP do Auxílio Brasil prevê a concessão de vouchers, haja uma explosão de escolas de péssima qualidade para a primeira infância. “O ponto central é que, nas evidências sobre vouchers, o que deu certo foi mais exceção do que regra, inclusive tendo avançado em circunstâncias muito específicas. Em vários casos, teve efeitos negativos e de ampliação da desigualdade. Não dá para implementar esse tipo de política em larga escala sem testá-las e sem debate”, afirma o diretor do movimento Todos pela Educação Lucas Hoogerbrugge. Apesar de o governo acertar ao criar um benefício para famílias com crianças de até 3 anos, como a MP não menciona valores, ainda não é possível dizer se haverá, de fato, um diferencial monetário para este público ou se o aumento será marginal”, diz Rafael Osório, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

É desse modo afoito e desordenado que o Ministério da Economia se acostumou a incluir temas relevantes nas MPs que formula. Ao agir dessa maneira, prejudica a concretização de um programa que exige mais discussão e muita precisão técnica.