11 de dezembro, 2024

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Perigo real e imediato

Elena Landau, O Estado de S.Paulo

Este governo nunca expressou empatia por ninguém. À essa indiferença se juntou a falta de noção. Não chega a ser uma surpresa: o obscurantismo sempre foi a sua marca. Bolsonaro tratou tudo com desdém: “histeria, se eu estiver infectado o problema é meu, vamos manter cultos e missas, sobrevivi a uma facada, não é uma gripezinha que vai me pegar”. Afinal, ele tem histórico de atleta. A lista de despautérios é imensa. É todo dia um.

Seu pronunciamento foi o ápice dessa marcha da insensatez. Ele tem um padrão que parece errático, mas é bem pensado. Faz e desfaz, e vai testando os limites. Começou a semana dando sinais de que tinha entendido a gravidade da crise. Também se reuniu com governadores, a quem havia chamado de lunáticos. Tudo parecia caminhar para um mínimo de normalidade.

Seus cinco minutos em rede nacional mostraram que não passava de uma farsa. O desatinado se revelou em toda sua mesquinharia, fez piadas com Drauzio Varella, atacou a mídia, jogou por terra todos os esforços que a equipe do Ministério da Saúde vinha fazendo para manter o distanciamento social e provocar o achatamento da curva da epidemia. E ainda criou uma crise institucional com os governadores. Ele acha que está num jogo ganha-ganha; se o isolamento for mantido por eles, e funcionar, vai manter a tese da gripezinha.

Nada é feito sem pensar. Empresários ligados a ele coordenaram uma campanha nas redes sociais defendendo a estratégia de isolamento vertical. Era um teste.  Gostou da repercussão e partiu para o confronto com governadores e infectologistas. Nosso presidente já era considerado o pior líder mundial na condução do combate ao vírus. Agora, virou hors-concours.

Muitos votaram nele esperando que o “capitão”, que nem sequer carreira militar conseguiu seguir, fosse comandar o país na “guerra contra o comunismo”. Se mostrou despreparado para liderar qualquer coisa, a não ser sua própria família, composta de outros incompetentes. A incapacidade intelectual para conduzir o país era esperada, a ela se juntou a psicológica e, mesmo, ética. Bolsonaro embrulhou seu discurso contra o isolamento com a necessidade de preservar empregos. Populismo puro. Ele não está preocupado com a vida de seus cidadãos, nem com o sustento de famílias vulneráveis ou com os milhões de brasileiros que veem sua renda ser interrompida da noite para o dia. O foco dele é 2022, bem revelado no bate boca com Doria.

O Tesouro e o Banco Central atuaram para garantir recursos para saúde e injetar liquidez na economia. Mas não é suficiente. As iniciativas têm se concentrado no mercado de trabalho privado e formal, enquanto nada tem sido proposto para o setor público, onde estão os 20% mais ricos da população, e com estabilidade de emprego. O governo segue a reboque das iniciativas do Legislativo, sugestões da sociedade civil e especialistas fora do governo. Mas sem a urgência necessária. Nem mesmo os míseros 200 reais foram viabilizados. Governo só se mexeu quando a Câmara assumiu o projeto e ampliou o valor.

A epidemia revelou os males de um país terrivelmente desigual. Como lavar as mãos onde falta saneamento e sabão é item de luxo? Como fazer distanciamento social para famílias que dividem um único cômodo? A solidariedade vem suprindo a ausência de poder público nas comunidades. A falta de proteção social a esse enorme contingente da população nas medidas anunciadas escancara a desumanidade do governo.

Na ausência de uma rede de proteção social, é natural que bata um desespero e as pessoas prefiram trabalhar a ficar em casa. A resposta à angústia não é colocar vidas em risco. Só que na economia, o piloto sumiu. A calibragem entre medidas econômicas e o controle da epidemia precisam de um coordenador com credibilidade. Guedes continua obcecado com as reformas, quando estamos em meio a uma guerra. Elas sempre foram necessárias, mas governo jogou um ano fora.

Bolsonaro só está preocupado com os efeitos da recessão sobre a avaliação de seu governo. Em mais um de seus sincericídios, afirmou que se a economia desanda, o governo perde apoio, e lá se vai a campanha de reeleição para o brejo.

Se algo de positivo pode sair desta crise é o fim da carreira política deste protótipo de ditador. Ele busca o confronto com o Legislativo, parecendo querer testar sua popularidade com uma tentativa de impeachment frustrada, que dê a ele o que sempre quis: governar sozinho, sem a chateação dos outros poderes e da imprensa.

Que em 2022, não seja a polarização a comandar os votos. E que a competência e experiência, que foram ignorados no primeiro turno de 2018, sejam fatores determinantes na escolha de um líder capaz de conduzir o país numa crise.

O negacionismo científico do presidente, especialmente na educação e no meio ambiente, já estava comprometendo gerações futuras, mas agora é mais grave; está colocando em risco vidas, milhares delas. O perigo é real e imediato. Bolsonaro quer colocar a conta da recessão nos governadores e prefeitos. Com quem ficará a conta dos mortos?

Foto: Antonio Cruz /  Agência Brasil

 

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