Um Estado que funcione melhor e seja mais barato é fundamental não só para a economia brasileira, mas também para a política e a democracia.
Fernando Dantas
10 de setembro de 2019
A reforma administrativa vai entrando na ordem do dia. Como mostra a principal matéria de capa do Estadão nessa segunda-feira (9/9), já há forte e organizada mobilização de servidores e de seus órgãos de classe contra a possibilidade de cortes salariais e perda de estabilidade.
O tema da reforma administrativa é antigo. Como muito dos itens que se discutem no Brasil pós-redemocratização, mudar as regras que governam o funcionalismo público é frequentemente apontado como uma necessidade para melhorar o funcionamento do Estado. Porém, com o estranho senso de prioridade nacional, debate-se o assunto sem a menor pressa ao longo de décadas, durante as quais o País chafurda no baixo crescimento e num ritmo inaceitavelmente lento de avanço social.
Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o então ministro da Administração e Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser-Pereira, coordenou uma reforma administrativa ambiciosa na concepção, mas que na prática não legou um setor público de alta qualidade e respeitado pela sociedade – muito pelo contrário.
Em relação à estabilidade, houve formalmente uma flexibilização na emenda 19 de 1998, da reforma administrativa. O estágio probatório dos funcionários foi estendido de dois para três anos, introduziu-se a possibilidade de avaliações periódicas de desempenho e criaram-se mais duas novas hipóteses de perda de cargo por servidor estável: demissão por insuficiência de desempenho, e exoneração para redução de despesas com pessoal, “em respeito à limitação com pessoal ativo e inativo, prevista em lei complementar”.
Na prática, não funcionou. O funcionalismo continuou inchando na União, Estados e municípios, sem que seja possível demitir com a agilidade e na dimensão necessária para fazer ajustes fiscais nos diversos níveis da Federação. A possibilidade de reduzir jornadas e salários, prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), foi suspensa há muitos anos por liminar, que agora – tudo indica – deve ser confirmada pelo STF em caráter definitivo.
A situação piorou com a tendência, que acabou atingindo várias carreiras do funcionalismo – especialmente aquelas consideradas como típicas da elite do Estado –, de salários iniciais muito altos, e diferença muito pequena entre estes e os maiores vencimentos daquela função. Obviamente, uma má estrutura de incentivos para a produtividade ao longo da carreira.
Somam-se às regras para os ativos as condições previdenciárias privilegiadas – em relação ao cidadão comum – dos servidores, e o resultado são despesas de pessoal roubando crescentemente o espaço, nos orçamentos municipais, estaduais e federais, dos investimentos e do custeio dos serviços públicos, os objetivos finais pelo qual se justifica a existência do Estado.
Gasta-se cada vez mais com os empregados de uma máquina pública que dispõe cada vez menos de recursos para investir e prestar bons serviços de educação, saúde, segurança, etc.
É uma situação inteiramente absurda e paradoxal, mas que foi “naturalizada” no Brasil como uma mazela inevitável da democracia, o que definitivamente não é nem deveria ser. Não deve surpreender que o cidadão mediano, naturalmente mais preocupado com o seu cotidiano do que com a integridade das instituições democráticas, mostre-se progressivamente hostil em relação a algo que funciona cada vez pior e custa cada vez mais caro.
A reforma administrativa, portanto, é uma necessidade urgente tanto no aspecto econômico como no político. No primeiro, é parte da receita para o ajuste fiscal imprescindível em todos os níveis da Federação, sem o qual não haverá a estabilidade macroeconômica essencial ao crescimento sustentado. Além disso, um Estado com bom funcionamento é condição fundamental do desenvolvimento por vários canais, da formação do capital humano por meio de bons serviços de educação e saúde à acumulação de capital físico via investimento público.
Do ponto de vista político, um setor público eficiente e respeitado pela sociedade é um dos ingredientes básicos da construção de uma consciência cívica coletiva que não só dê apoio firme e duradouro à democracia, mas a faça funcionar efetivamente para melhorar o padrão de vida de toda a população. É mais do que hora de passar das palavras à ação na reforma administrativa.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
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