15 de outubro, 2024

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Por que chegamos a isso

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Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

Ninguém esperava – nem muito menos queria – que tivesse sido assim. Embora tardia e lentamente, a vacinação contra a covid-19 avançou, alcançou parcelas significativas da população e, afinal, começou a produzir os resultados ansiados, que permitiriam a gradual normalização da vida social e econômica. A despeito da inoperância do governo federal, a retomada do crescimento, da qual se falava desde o início do ano, estava ao alcance das nossas mãos. Recuperaríamos o que perdemos no ano passado e ainda ganharíamos alguma coisa. Até no plano fiscal, mesmo diante de um governo que sempre mostrou pouca apetência e muita incompetência para lidar com o maior problema do setor público, havia expectativas positivas: o déficit público parecia sob controle.

De repente, deu nisso.

O quadro assusta. São muitos componentes que evidenciam a rápida deterioração do cenário político e econômico, o que impõe não apenas insegurança e incerteza, mas riscos e perdas para muitos, sobretudo os que menos podem.

A inflação que alcança níveis recordes (acumula 9,68% em 12 meses) é o dado mais sombrio, porque é o mais recente, desse cenário no momento. Outros indicadores da crise política, econômica, social e moral em que o País mergulhou, porém, continuam a lançar sombras e podem alcançar maior destaque, a julgar pela forma como as coisas avançam. Se até os operadores do mercado financeiro – “essa gente da Faria Lima”, como reagiria um enraivecido funcionário descontente com a aguda perda de prestígio do governo – já duvidam da capacidade das autoridades, é porque a coisa vai mal.

O tombo de 3,78% (para 113,4 mil pontos) que o Ibovespa levou na quarta-feira e a escalada de 2,89% do dólar (para R$ 5,32) mostram o impacto da fala golpista do presidente Jair Bolsonaro sobre os investidores. Os discursos irresponsáveis de Bolsonaro no dia 7 de setembro somam-se, no cenário montado pelo mercado financeiro, às projeções cada vez menores para o crescimento da economia neste e no próximo ano e às projeções crescentes para a inflação.

Há, como observou o economista José Roberto Mendonça de Barros, em entrevista ao Estado, “um casamento da crise econômica com a da política”. Elas se alimentam.

As seguidas e cada vez mais estridentes ameaças de Bolsonaro às instituições podem inviabilizar o avanço das reformas. Embora tímidos diante das dimensões dos problemas, e às vezes contraditórios entre si, os projetos de reforma, se progredissem no Congresso, dariam um sinal positivo, alentador, para a sociedade num momento de temores e insegurança. É pouco provável que, com a escalada golpista do discurso bolsonarista, o Congresso possa se concentrar no debate de temas complexos e de impactos variados sobre a sociedade e sobre a economia.

À procura de inimigos inexistentes, mas necessários para a sustentação do discurso de discórdia e ódio com o qual tenta manter uma popularidade cada vez mais corroída por sua própria incompetência, o presidente da República não governa. Nunca governou desde que tomou posse em 2019. A agudização dos problemas, muitas vezes em razão da incapacidade do governo federal, torna o quadro especialmente grave.

Decerto não se pode inculpar as autoridades federais pela alta das commodities agrícolas e energéticas no mercado internacional, o que vem se traduzindo na alta da inflação. Mas o descaso do governo com a situação das pessoas em geral, dos trabalhadores, com a vida empresarial, tem muito a ver com o agravamento de muitas das dificuldades em que o País está metido.

O governo demorou para reagir à crise hídrica e, quando o fez, mostrou timidez. Não demonstrou nenhuma preocupação com as altas taxas de desocupação e com a má qualidade dos empregos. Sua incapacidade de montar uma proposta de Orçamento minimamente confiável e exequível é apenas o atestado de despreparo para fazer aquilo que é de sua exclusiva competência.

Poderia ter sido diferente?

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