Obstáculos não surgiram agora, mas podem aumentar com crise entre poderes.
Cida Damasco, O Estado de S. Paulo.
O ex-presidente Michel Temer na cadeia, o conflito entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e Bolsonaro cada vez mais escancarado, o embate entre a Lava Jato e o STF idem e o Congresso sob forte tensão. No meio disso tudo, a reforma da Previdência às vésperas de iniciar a tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, e a proposta específica para os militares enfrentando fogo cerrado. É preciso mais?
Esta semana e muitas outras pela frente prometem grandes emoções. Está cada vez mais difícil ter uma luz dos rumos do governo Bolsonaro e, por tabela, do seu programa econômico, concentrado na reforma da Previdência. Quem fazia apostas sobre o número de votos que a reforma já teria assegurado no Congresso, pode ir se recolhendo. Pelo menos até segunda ordem, é recomendável manter cautela em relação ao impacto dos últimos eventos nas negociações entre Executivo e Legislativo – que vai bem além da resposta das bancadas à “volta” da Lava Jato.
Como costuma acontecer nesses casos, os mercados reagiram rapidamente à prisão de Temer e do ex-ministro Moreira Franco com uma interrupção na trajetória favorável dos últimos tempos. A Bolsa, que já havia superado a barreira dos 100 mil pontos, caiu 5,5% na semana, o dólar bateu em R$ 3,90, a maior cotação do ano, e tanto o preço do CDS, papéis que medem o risco país, como os juros futuros foram para o alto. Tudo na suposição de que o cenário para a Previdência ficará mais complicado.
É cedo, no entanto, para calcular a carga adicional que vai pesar sobre a reforma. Para se ter uma ideia das dificuldades já existentes, sondagem feita pelo Estado com parlamentares antes da nova etapa da Lava Jato, mostra que a proposta, tal como está, só teria 61 votos e, com ajustes, conseguiria 180. Muito pouco, em confronto com a maioria qualificada de 308 votos necessária para aprovação de uma emenda constitucional.
A articulação política do governo Bolsonaro continua patinando. E, por enquanto, não se vê adesão firme dos aliados ao texto do Planalto – o que não é exatamente surpreendente num tema tão sensível como esse. O Centrão rejeita e o próprio PSL, partido do presidente, resiste em escolher o relator da emenda da Previdência na CCJ, descontente com a reestruturação de carreira embutida nas mudanças previdenciárias dos militares. Pegou mal o tratamento preferencial a essa categoria, principalmente, às altas patentes.
Mais grave ainda, Rodrigo Maia, numa reação à ofensiva da família Bolsonaro nas redes sociais e em meio a divergências com o ministro Sérgio Moro em relação à tramitação do projeto anticrime, acusa o governo de terceirizar a articulação da reforma da Previdência e ameaça abandonar o barco.
Entre as oposições, a organização também não é das melhores. Mas aqui e ali aparecem sinais de que integrantes dessa ala criarão alguns obstáculos ao avanço da proposta – o que parece óbvio. Na semana passada, parlamentares de oposição lançaram uma frente mista contra a reforma, e anunciaram contar com cerca de 200 adesões de deputados e senadores. Até mesmo o PDT, cujas ideias apresentadas durante a campanha mantinham alguns pontos convergentes com as de Bolsonaro, agora se declarou contra.
Calma, leitores, não se trata de decretar que a reforma e o restante da pauta econômica não sairão do papel. O novo episódio dessa interminável crise política põe às claras, contudo, que a dura realidade no mínimo vai limitar as ambições de Paulo Guedes e sua turma. Mais ainda: vai exigir que o presidente Bolsonaro “assuma” de fato o cargo, com determinação, mas também com jogo de cintura que, vamos combinar, ele não mostrou até agora.
Atacar a “velha política” não basta. Até porque é sabido que, nos bastidores, o toma lá, dá cá, ainda que repaginado, continua valendo.
É fundamental construir de fato uma “nova política” e deixá-la funcionar. A reação de Bolsonaro, no Chile, à prisão de Temer reforça a impressão de que ele continua em campanha e não se importa com os estragos espalhados pela sua “incontinência” verbal e digital. Para Bolsonaro, “acordos políticos dizendo-se em nome da governabilidade” provocaram a situação que levou à prisão de Temer. Claro que há acordos… e acordos. Mas Bolsonaro insiste em juntar tudo no mesmo pacote, como se a política, velha ou nova, não fosse assentada sobre acordos. Pelo visto, não era bem isso que se esperava da participação do presidente nas negociações da Previdência.
CIDA DAMASCO É JORNALISTA
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