Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Desorganizado, perdido e rachado por desentendimentos internos, o governo promete um programa de recuperação econômica baseado em grandes obras. Devem ser investidos R$ 250 bilhões por meio de concessões e parcerias público-privadas e R$ 50 bilhões com recursos públicos, segundo o ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto. A decisão foi anunciada em entrevista coletiva no Palácio do Planalto sem a presença de qualquer integrante do Ministério da Economia. O general, segundo se informou, coordenará o programa, batizado de Pró-Brasil.
As gavetas da Casa Civil podem até conter um plano econômico, mas nada parecido com isso foi apresentado na entrevista. Poucos pontos ficaram claros e nenhum deles é positivo. O coordenador pode ter, como se comenta, apoio de colegas militares, mas a opinião da equipe econômica pouco tem pesado. Mais que intrigante, isso é inquietante. Não é próprio de governos normais.
Mas há mais que isso. Em reunião anterior à entrevista, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu a preservação das âncoras fiscais, como teto de gastos. Defensores do plano já falam, no entanto, em ultrapassar o teto, a proibição constitucional de gastar mais que a soma do ano anterior corrigida pela inflação. Recorrer a um critério especial, o da calamidade pública, poderia ser uma saída, mas isso seria justificável?
Essa decisão poderia ser vista como sinal de abandono da seriedade fiscal. “Nada está descartado”, respondeu o presidente Jair Bolsonaro quando a imprensa lhe perguntou sobre uma possível flexibilização do ajuste fiscal já prometido e iniciado antes do surto da covid-19. A promessa de acerto das contas públicas é muito mais, no entanto, que um assunto interno do governo ou parte de um discurso dirigido ao eleitorado.
A gestão das finanças oficiais influencia a classificação de risco do País. Afeta as condições de financiamento do Tesouro e até a nota de crédito de grupos privados, mesmo daqueles mais sólidos. O presidente Jair Bolsonaro talvez ignore também esses fatos. Mas cidadãos mais informados, incluídos os membros da equipe econômica, sabem disso. O mercado pode aceitar o afrouxamento fiscal para ações de emergência, no enfrentamento de uma pandemia e de seus piores efeitos econômicos. Mas seu julgamento poderá mudar, e provavelmente mudará, quando tiver de analisar um programa de recuperação pós-covid-19.
Uma piora da avaliação de risco poderá resultar em juros mais altos. Não adiantará, então, cobrar do Banco Central uma política monetária mais branda. Afinal, quem financia o déficit fiscal e dá suporte ao endividamento público é o mercado. Terão os formuladores e defensores do Pró-Brasil considerado, ou mesmo lembrado, esse prosaico fato da vida?
Há, no entanto, outros pontos obscuros no esboço de programa anunciado pelo general Braga Netto. Qual a segurança quanto aos R$ 250 bilhões dependentes de concessões e de parcerias público-privadas? No mesmo dia do anúncio do Pró-Brasil, o secretário de Desestatização do Ministério da Economia, Salim Mattar, informou o adiamento de várias operações: “Neste ano acreditamos que não haverá clima para venda de ativos”. A meta de arrecadar R$ 150 bilhões em 2020 é, portanto, irrealizável.
Mas também privatizações previstas para 2021, como as dos Correios, da Codesp e da Telebrás, estão sendo reprogramadas para 2022. Além disso, segundo o secretário, as vendas de participações da União e do BNDESPar em empresas privadas é ainda mais incerta, por causa da má condição das bolsas de valores. Apesar disso, o coordenador do Pró-Brasil parece acreditar em clima para investimentos de R$ 250 bilhões por meio de concessões e parcerias público-privadas.
É indispensável, sim, programar a retomada econômica, com início neste ano e aceleração a partir de 2021. Mas planejamento econômico é algo mais sério e vai muito além de improvisações para servir a um projeto de reeleição. Há conhecedores do assunto em Brasília, no mercado e na academia. Por que não ouvi-los?
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