04 de outubro, 2024

Notícias

Home » Opinião » Radiografia da desconfiança

Radiografia da desconfiança

Imagem: rawpixel.com - br.freepik.com

Por Notas & Informações

O ano passado deveria ter marcado o retorno à normalidade. Mas os lockdowns na China, a invasão da Ucrânia e as pressões sobre o custo de vida fizeram de 2022 um ano turbulento. O otimismo econômico colapsou e os riscos de polarização política se acentuaram. Essas são as principais constatações da última edição do Barômetro de Confiança Edelman, uma pesquisa de opinião em 28 países.

Enquanto a crise provocada por um micro-organismo fora do controle humano ampliou os índices de solidariedade e de confiança nas autoridades, as crises provocadas pela ação humana em 2022 precipitaram um aumento substancial dos medos pessoais (como perda de emprego e renda) em relação aos sociais (como mudanças climáticas ou escassez de comida e energia).

O mundo se tornou mais polarizado. Seis países se moveram da “divisão” para a “polarização”, em que as divisões são calcificadas e a ideologia se torna uma identidade. Entre os entrevistados que dizem ter “convicções fortes”, só 30% ajudariam uma pessoa de quem “discordam fortemente” e só 20% estariam dispostos a tê-la na mesma vizinhança ou como colega de trabalho.

O levantamento sugere quatro forças polarizantes. Primeiro, desempenho e expectativas econômicas: 24 dos 28 países registraram recordes de pessoas que pensam que suas famílias estarão em piores condições em cinco anos.

Depois, o desequilíbrio institucional: grandes lacunas entre a confiança no poder público e na iniciativa privada são problemáticas. Em mais da metade dos países, essa lacuna supera 10 pontos porcentuais. Hoje, as empresas são a única instituição vista como competente e ética.

Terceiro, a divisão de classes. A inflação está corroendo as esperanças dos pobres. Em 75% dos países, há uma lacuna de 10 pontos porcentuais ou mais entre a confiança dos 25% mais ricos e a dos 25% mais pobres.

Quarto, a “batalha pela verdade”. Desde que, em meados da década passada, as redes sociais foram empregadas como arsenal político, como nas eleições nos EUA ou no Brexit, houve um declínio, agravado na pandemia, da confiança na informação e em especialistas. Hoje, no sentir dos entrevistados, a mídia (especialmente as redes sociais) é a instituição menos confiável do mundo.

Os índices de confiança entre os brasileiros são razoáveis, mas há sinais de deterioração: 58%, por exemplo, estão otimistas para os próximos cinco anos (a média global é de 40%), mas houve queda de 15 pontos em um ano. O Brasil também está entre os países em risco de polarização severa: 80% acreditam que ele está “mais dividido do que no passado”; e 78%, que nunca se viu tanta “falta de civilidade e respeito mútuo” – as médias globais são respectivamente de 53% e de 65%.

Há aí advertências para o mundo político. Primeiro, o risco de ruptura social com as táticas de demonização do adversário (o “nós contra eles”). Depois, o descrédito em relação à iniciativa privada é um convite à cooperação, por exemplo, via Parcerias Público-Privadas ou concessões.

Há uma demanda por protagonismo de lideranças empresariais. Mas, se elas confundirem atuação cívica com ativismo político, longe de colaborar com as instituições públicas ou reduzir a polarização, só correrão o risco de desacreditar suas empresas. Antes que se politizar, o mundo empresarial deve fortalecer os alicerces de sua credibilidade pública, por exemplo, buscando métricas comuns e transparentes de práticas ESG (ambientais, sociais e de governança), retirando anúncios de plataformas que promovem desinformação ou expondo a ciência por trás de suas inovações.

“Inovação, formação e oportunidade são as palavras de ordem da esperança e precisamos pôr a esperança de volta no sistema”, disse o CEO da Edelman, Richard Edelman, dirigindo-se aos empresários. Para ele, a pandemia erodiu a confiança nos governos e é preciso dar aos gestores públicos a oportunidade de recuperá-la. Isso demanda “negócios inteligentes”, e não “ilusão progressista”. Precisamos, diz ele, corretamente, “ajudar a reparar o tecido social”. “Façam o que é correto, e a ação conduz à confiança.”

https://www.estadao.com.br/opiniao/radiografia-da-desconfianca/

 

Comentários