Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Os negócios vão crescer no terceiro trimestre, apostam dirigentes da indústria consultados em junho pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Expectativas melhores já haviam sido registradas em maio, depois do desastre de abril. Passado o choque, o Índice de Confiança da Indústria subiu 19,4 pontos nos dois meses seguintes, numa alta recorde. Mas a queda em março e abril havia sido o dobro (39,3 pontos). O pior ficou para trás, avaliam representantes do setor, e a mesma opinião tem sido sustentada por empresários de outras áreas. Mas, apesar da melhora de humor, mantém-se a cautela e evita-se aumentar estoques, como também aponta a pesquisa.
Com a reabertura dos negócios, há sinais de maior demanda. A indústria responde ao estímulo com maior movimentação nas fábricas, mas a reação é gradual. Máquinas e equipamentos funcionam com maior atividade. O uso da capacidade instalada passou de 57,3% em abril para 60,3% em maio e 66,6% em junho. Mesmo com esse aumento, continuou muito abaixo do padrão observado entre janeiro de 2019 e março de 2020, quando a ocupação sempre esteve pouco abaixo ou pouco acima de 75%, na série com desconto de fatores sazonais.
Com o impacto econômico da pandemia, a indústria afundou numa crise dentro da crise. A situação do setor já era ruim antes da chegada do novo coronavírus. A produção industrial caiu 1,4% no primeiro trimestre em relação ao último de 2019. Entre janeiro e março o valor produzido foi 0,1% menor que o de um ano antes, com recuos de 0,8% no segmento de transformação, 1% na construção e 1,8% no conjunto de produção e distribuição de eletricidade e água.
A crise na indústria de transformação, onde se incluem, por exemplo, a fabricação de tecidos, vestuário, eletrodomésticos, eletrônicos, máquinas, tratores e veículos, é especialmente importante, por seus efeitos no conjunto da atividade econômica, na modernização tecnológica e na criação de empregos formais e de alta qualidade. Essa deterioração começou antes da recessão iniciada no fim de 2014 e agravada em 2015-2016.
Essa perspectiva mais longa é relevante para uma avaliação precisa do quadro e das perspectivas do setor industrial. O Brasil passa por uma desindustrialização precoce e comprometedora de seu desenvolvimento. Quando se menciona a desindustrialização do mundo rico, fala-se de uma nova etapa da economia, com ascensão e valorização de certas funções sofisticadas, como o desenvolvimento de tecnologias de informação.
A fabricação de bens tradicionais perde peso nas economias avançadas e parte dessas atividades é transferida. As mudanças incluem a formação de uma cadeia global mais ampla e mais complexa de produção. A experiência da pandemia poderá frear esse processo e até levar a alguma reversão, mas essa é uma hipótese a ser conferida. O caso brasileiro – este é o ponto importante – é diferente. Desindustrialização no Brasil é retrocesso.
O desafio para a indústria brasileira é mais modesto – e vital – do que retomar o avanço interrompido há anos. A tarefa urgente é sair de um buraco dentro de um buraco. A confiança, fator essencial, já se manifesta, e a mudança mais sensível é a melhora da expectativa em relação ao terceiro trimestre.
Ainda assim, o indicador de confiança mais amplo, síntese dos índices de situação atual e de expectativas, chegou apenas a 77,6 pontos, mesmo com a alta recorde. Entre janeiro de 2019 e março de 2020 esse índice havia sido quase sempre superior a 96 pontos.
Só em fevereiro deste ano havia chegado a 100,9, superando por 0,9 ponto a fronteira entre os territórios negativo e positivo. Confiança é condição fundamental para o aumento da produção, a formação de estoques, a contratação de trabalhadores e o investimento em inovação e em capacidade produtiva. Desde o começo do atual governo esse indicador só uma vez bateu em 100.
O dado positivo, hoje, é o começo de superação da crise da pandemia, a crise dentro da crise. A recuperação histórica será uma tarefa mais demorada e complexa. Se o governo liderar, tanto melhor.
Comentários