A rescisão indireta, diferentemente do que se poderia denominar de dispensa direta, se constitui no exercício de um direito subjetivo individual e intracontratual, que, em oposição à resilição por iniciativa da empresa, depende da 11 intervenção judicial, juiz de mérito, para produzir os efeitos jurídicos indenizatórios. Ela destina-se ao encerramento do contrato de trabalho por iniciativa da empregada, motivada por ato faltoso atribuído ao empregador, podendo ou não haver erro de imputação, e cujas hipóteses estão capituladas no art. 483, da CLT. Segundo Dorval de Lacerda, “Na verdade, todos os atos faltosos do empregador, na lei enumerados, nada mais são do que a desvirtuação, o excesso no uso dos direitos que lhe são reconhecidos. Ou seja: o uso indevido do poder disciplinar ou do poder diretivo”. Apesar de não concordar com a expressão “rescisão indireta”, o mesmo doutrinador, em obra clássica, assim se expressa, ao se referir ao empregador: “estará praticando atos diretos de despedida, embora não expressos na forma demissionária. Estará praticando atos faltosos, claramente capitulados no artigo 483, da Consolidação das Leis do Trabalho. E então, como já afirmamos alhures, é êle quem rescinde o contrato, porque o viola, ficando apenas o empregado com a manifestação exterior do ato de denúncia. ” (A Falta Grave no Direito do Trabalho. Guanabara: Edições Trabalhistas, 3ª. Edição 1964, págs. 33 e seguintes.). Por sua vez, apoiado no que dissera Léon Renault, a propósito de “motivos legítimos” para a rescisão, Evaristo de Moraes Filho, em obra de idêntico timbre clássico, preleciona que “a lei não esgota todo o direito, e não basta assim estar na lei para ser justo. Há um fundo ético e normativo, preexistente à própria lei, que mais tarde irá julgar da sua justiça ou injustiça.” E mais adiante, “Há em toda a relação de emprego um fundo ético e de boa fé, que se manifesta na confiança recíproca que devem manter as partes entre si.”. (A Justa Causa na Rescisão do Contrato de Trabalho. Rio de Janeiro: Editora Revisto do Trabalho, 1946, págs. 33 e 44). Para que se configure a ruptura contratual exige-se a quebra da fidúcia, que, no caso, se caracterizou pela prática de cobranças com rigor excessivo e com tratamento desrespeitoso pelo preposto em face da empregada. Consoante Dorival de Lacerda “Pode-se definir a figura faltosa do “rigor excessivo como sendo uma forma de violação abusiva, por parte do empregador, do poder hierárquico que ele, como chefe da empresa, possui”. (Obra citada, pg. 299). De conseguinte, a empresa, por si ou por seus prepostos, detém o poder empregatício que se modela, em seu eixo estrutural de funcionamento hierárquico, assim como com os poderes diretivo e disciplinar, aptos a comandar a prestação de serviços de maneira eficiente, consoante previsão contratual e de acordo com os ditames legais, cabendo-lhe, de conseguinte, paralelamente, preservar o respeito às suas colaboradoras. Dizia Voltaire, há séculos, que un droit porté trop loin devient une injustice. Assim, o direito de resistência articula um sistema de freios e contrapesos, também denominado de checks and balances, ao poder empregatício, sendo certo que uma das formas, ainda que extrema e derradeira, de resistência ao abuso do poder empregatício consiste na manifestação exterior do ato de denúncia, fruto de uma perturbação séria e insanável ao pactuado, e que a doutrina prevalente denomina de rescisão indireta, sendo certo que, como se trata de execução continuada, as prestações que evolvem o descumprimento das obrigações, via de regra, se projetam no tempo, cabendo à empregada definir a conveniência e a oportunidade da denúncia do contrato, eis que o risco da imputação da falta é de sua responsabilidade, cabendo-lhe suportar todos os efeitos jurídicos, ainda que adversos. (TRT DA 3.ª REGIÃO; PJE: 0010979-20.2022.5.03.0138 (ROT); DISPONIBILIZAÇÃO: 23/04/2024, DEJT/TRT3/CAD.JUD, PÁGINA 1397; ÓRGÃO JULGADOR: PRIMEIRA TURMA; RELATOR DESEMBARGADOR LUIZ OTÁVIO LINHARES RENAULT)
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