16 de outubro, 2024

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Retrato de um censo inacabado

Por Notas & Informações

Não bastassem os sucessivos atrasos na realização do Censo Demográfico 2022, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) acaba de anunciar uma falha grave ao encerrar a fase de coleta de dados. Como noticiou o Estadão, o universo de pessoas recenseadas corresponde a apenas 91% da população estimada pelo próprio instituto na prévia entregue ao Tribunal de Contas da União (TCU) em dezembro. Isso indica que quase 10% dos habitantes do País deixaram de ser incluídos no levantamento, uma lacuna que certamente prejudicará a qualidade técnica das informações.

Do ponto de vista do planejamento e da execução de políticas públicas, é um tiro no pé. Afinal, o Censo constitui a principal base de dados socioeconômicos da sociedade brasileira − fonte para uma série de outros indicadores, estudos e pesquisas. Quanto maiores as imprecisões, menor a sua capacidade de retratar a população em todo o território nacional. Problema que se torna ainda mais preocupante diante das restrições fiscais do País, que precisa buscar o máximo de eficiência a cada centavo investido pelo poder público.

Após sete meses de trabalho − mais que o dobro do tempo previsto −, o Censo colheu dados de 189,2 milhões de pessoas, número significativamente menor que os 207,8 milhões de habitantes estimados pelo próprio IBGE no ano passado. Vale notar que a falta de informações sobre um contingente populacional tão expressivo é capaz de gerar consequências estatísticas ainda piores, caso essa parcela de pessoas excluídas do Censo se concentre em determinados grupos econômicos, etários ou sociais. É o chamado “viés de cobertura”, como explicou ao Estadão o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence).

De fato, os índices estaduais de cobertura variaram bastante. O instituto divulgou ter recenseado mais de 96% da população estimada em Santa Catarina, Piauí e Paraíba. Considerando que a média nacional foi de 91%, deduz-se que outros Estados ficaram abaixo disso. “O Censo está cheio de problemas, não dá para esconder que foi grave”, resumiu Diniz Alves. Ele e outros especialistas, porém, são contra descartar o levantamento. Mesmo com falhas, o Censo 2022 é melhor do que nada, na medida em que traça um panorama mais atual do que o já distante e defasado Censo 2010.

Tal constatação, contudo, não diminui os prejuízos decorrentes da incúria governamental que provocou tantos atrasos e erros. O governo anterior ignorou a importância do principal levantamento estatístico do País, a ponto de nem sequer garantir verbas no Orçamento para que o IBGE pudesse realizar o serviço em 2021. Adiado para 2022, o Censo sofreu as consequências do sucateamento do órgão, enfrentando até paralisações de recenseadores por causa de atrasos nos pagamentos. A forma como o governo anterior gerenciou o Censo, sem dúvida, é mau exemplo para o País − lição que não pode ser esquecida. Nações que aspiram ao desenvolvimento precisam de estatísticas e dados confiáveis. Nada a ver com os atrasos e a baixa cobertura do Censo 2022.

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