Luiz Felipe D’Ávila, O Estado de S.Paulo
Um dos efeitos nefastos da radicalização política é a degeneração do diálogo, do respeito pelo outro e da civilidade. Esses três elementos são essenciais para o bom funcionamento da democracia. É hora de olharmos para a frente e trabalharmos para que cada um cumpra o seu papel com responsabilidade e espírito público.
O Congresso Nacional precisa retomar as pautas das reformas do Estado e conter o seu ímpeto irresponsável de criar despesas sem deixar claro de onde virá a receita. O Supremo Tribunal Federal tem de voltar a ser uma corte constitucional e acabar com o seu ativismo político. Os novos governantes deveriam se cercar de um time de colaboradores que reflita o esforço coletivo para cicatrizar as feridas de uma nação dividida pela polarização. Mas, até o momento, retratam que não aprenderam nada e não esqueceram nada. Trata-se da mesma patota de velhos camaradas e de velhas ideias. A única proposta apresentada é a PEC da Transição. Trata-se de um péssimo exemplo de política populista, que denota o eterno menosprezo do PT pela solidez fiscal.
A PEC da Transição contempla dobrar a aposta no descontrole do gasto público para financiar promessas de campanha. É uma medida irresponsável, que sinaliza pouco-caso com a necessidade imperiosa de mostrar comprometimento político com a estabilização da relação dívida/PIB no médio prazo. O Brasil tem a maior dívida pública em relação ao PIB entre os países emergentes. Uma PEC que colabora para o aumento substancial da dívida pública deveria ser renomeada como a PEC da Irresponsabilidade Fiscal e Social, pois toda medida fiscalmente irresponsável tem alto custo social, principalmente para os mais pobres.
Teto do gasto não é uma questão técnica que demanda uma solução técnica do Tesouro. Trata-se de uma questão comportamental de um Estado e de uma classe política que gastam mais do que arrecadam. Portanto, a revisão do teto do gasto só pode ser levada a sério se contemplarmos reformas para cortar despesas públicas com pessoal e benefícios, gastos obrigatórios e redução de subsídios estatais.
Nenhum país emergente foi capaz de se tornar próspero e romper a barreira da renda média com políticas econômicas que menosprezam o rigor fiscal, a competitividade no comércio internacional e o investimento maciço em educação e capital humano. Por isso, no campo da oposição liberal, a nossa atuação será pautada pela defesa da livre economia e da abertura comercial; da transformação do Brasil numa potência ambiental de baixo carbono; da luta pela igualdade de oportunidade por meio da educação básica de qualidade e focada no aprendizado do aluno; do combate à pobreza extrema por meio do empoderamento do cidadão e de sua independência do clientelismo estatal; e da batalha incansável para tirar o Estado caro e ineficiente das costas dos brasileiros que trabalham, produzem e empreendem. O Brasil que gera riqueza não pode continuar refém de regras obsoletas e de burocratas e governantes que só pensam em criar dificuldade para vender facilidade e aumentar a carga tributária para financiar o clientelismo estatal e as despesas astronômicas de um Estado disfuncional.
Se quisermos restabelecer a paz, a ordem e a confiança nas instituições democráticas, precisamos trabalhar para desintoxicar o País do radicalismo político. Num artigo antológico de Roberto Campos no Estadão, o grande economista e parlamentar lamenta que a sua aproximação com Ulysses Guimarães, o principal líder político da redemocratização, só tenha ocorrido no final da vida. A rivalidade política que os manteve em campos opostos por 50 anos terminou com um telefonema de Ulysses. Campos estava internado no hospital quando Ulysses lhe telefonou para pedir que fosse ao plenário votar a favor do impeachment de Collor. De cadeira de rodas, Roberto Campos entrou no plenário sob o aplauso dos parlamentares para votar. Ulysses agradeceu-lhe o voto e marcaram uma conversa para falar sobre o futuro do Brasil. O grande economista reconhecia que poderia ter aprendido muito sobre a arte de fazer política com Ulysses, o que lhe teria sido útil para avançar as suas propostas liberais. Por outro lado, o grande político poderia ter aprendido muito com a lucidez ímpar de Roberto Campos sobre economia, um assunto de que Ulysses nada entendia. Mas Ulysses morreu dias depois do telefonema, num acidente de helicóptero, e a conversa entre eles nunca aconteceu. Se tivessem conversado mais, o Brasil poderia ter tido o melhor dos dois mundos: uma economia liberal e uma democracia vibrante. Mas, sem Ulysses na política e Roberto Campos na economia, o Brasil caiu nas garras dos populistas, e até hoje continuamos no atoleiro do subdesenvolvimento por não termos aprendido que, sem liberalismo econômico, o País não prospera; e sem democracia estamos condenados a viver sem liberdade e à mercê de demagogos e tiranos.
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CIENTISTA POLÍTICO, AUTOR DO LIVRO ‘10 MANDAMENTOS – DO PAÍS QUE SOMOS PARA O BRASIL QUE QUEREMOS’, FOI CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
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