Depois de quase três décadas de discussão, a reforma tributária começa a sair do papel com a aprovação do PLP 68/2024 pela Câmara dos Deputados, que trata da reformulação dos impostos sobre o consumo, a primeira etapa. A reformulação dos tributos sobre a renda também está no radar do governo.
Na votação final do projeto pela Câmara, com 324 votos favoráveis e 123 contrários, a maior mudança foi a retirada da alíquota reduzida de 60% para saneamento, medida que tinha sido incluída pelo Senado.
Os deputados também retiraram do texto um dispositivo que previa a adoção da Substituição Tributária (ST) para bebidas alcoólicas, águas minerais, refrigerantes, cigarros e outros derivados do fumo.
O texto cria o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que comporão o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual, que deverá ter uma alíquota de referência na faixa de 28%, considerada uma das maiores do mundo entre os países que já adotam esse tipo de tributo.
A partir de 2026, quando começa a fase de transição, a CBS e o IBS passarão a vigorar com uma alíquota de 1% (0,9% para CBS e 0,1% para o IBS). O percentual será abatido dos atuais tributos.
Em 2027, a CBS entra em vigor em sua totalidade, com a extinção do Pis e da Cofins. De 2029 a 2032, as alíquotas do ICMS e ISS serão reduzidas de forma gradual e completamente extintas em 2033, quando o IBS entra em vigor totalmente.
Com a reforma, também foi criado um Imposto Seletivo, conhecido como “imposto do pecado”, que incidirá a partir de 2027 sobre os produtos considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como cigarros, bebidas alcoólicas e veículos, entre outros.
INOVAÇÕES
Uma das principais inovações da reforma tributária sobre o consumo que vai revolucionar a forma de apurar os novos tributos é o chamado o split payment, mecanismo de pagamento no qual o valor pago por um comprador é automaticamente dividido entre o vendedor e o fisco no momento das transações, quando forem realizadas por Pix, cartão de crédito, TED ou boleto.
O sistema foi criado para garantir que a parcela correspondente aos impostos seja diretamente destinada ao governo, reduzindo a possibilidade de sonegação fiscal e melhorando a eficiência da arrecadação tributária.
O sistema terá três modalidades: inteligente, simplificado e manual. O simplificado, por exemplo, será voltado para as operações do varejo, que pagará uma alíquota fixa de IBS e CBS, e não a de referência, calculada a partir de uma média de vendas de produtos.
TRAVA
O texto também foi aprovado com um mecanismo que visa evitar a perda de arrecadação nos primeiros anos da reforma tributária e também servirá como uma “trava” para impedir o aumento da carga tributária.
A regra considerará a média de arrecadação dos impostos que serão extintos, bem como o PIB (Produto Interno Bruto). Em caso de necessidade, um “gatilho” poderá ser ativado para forçar a redução das cobranças.
O TCU (Tribunal de Contas da União) será responsável pela fiscalização e pelos cálculos das chamadas alíquotas de referência.
REDUÇÕES E ISENÇÕES
A proposta lista alimentos da chamada cesta básica nacional, que terão alíquota zero, como arroz, feijão, carnes, farinhas e café. Há ainda uma lista de alimentos e bebidas que terão desconto de 60% sobre a alíquota-padrão.
ALÍQUOTA DE 30%
Diversas categorias de profissionais liberais – ligados a profissões intelectuais de natureza científica, literária ou artística – contarão com redução de 30% das alíquotas, contanto que sejam submetidas a fiscalização por conselho profissional.
O desconto vai atingir administradores, advogados, arquitetos e urbanistas, assistentes sociais, bibliotecários, biólogos, contabilistas, economistas, profissionais de educação física, engenheiros e agrônomos, estatísticos, médicos veterinários e zootecnistas, museólogos, químicos, profissionais de relações públicas, técnicos industriais e agrícolas.
NOVA CATEGORIA
Na regulamentação da reforma, também foi criada a figura do nanoempreendedor, que será isento da cobrança dos novos impostos sobre consumo. A categoria vai abranger pessoas físicas que tenham receita bruta anual inferior a R$ 40,5 mil, que é a metade do limite estabelecido para os MEIs (Microempreendedores Individuais).
SIMPLES NACIONAL
O Simples Nacional foi mantido na regulamentação da reforma tributária, mas pode deixar de ser um regime atrativo do ponto de vista da simplificação para muitas micro e pequenas empresas, que correm o risco de perder competitividade com a restrição de repasse de créditos nas transações com empresas do regime regular dos novos CBS e IBS. Com a reforma, os pequenos negócios poderão optar por um regime híbrido e recolher apenas os dois tributos fora do Simples. Pelo texto aprovado, essa opção poderá ser feita de seis em seis meses.
Empresas do Simples que atuam no varejo e comercializam produtos contemplados na reforma com alíquota zero ou reduções da CBS e IBS, como itens da cesta básica e medicamentos, não poderão usufruir de tais benefícios por falta de uma previsão legal no texto, semelhante ao que existe hoje para o ICMS e o ISS. Na prática, o faturamento decorrente da venda desses produtos será tributado pela tabela do Simples.
Para o presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Roberto Mateus Ordine, a reforma tributária vai piorar o ambiente de negócios para as micro e pequenas e trará impactos negativos para a economia. “A economia brasileira é diversa e abrangente e essa proposta não tem lógica. Existem outras formas menos drásticas de tributar o pequeno empreendedor. É possível gerar um crédito presumido que equipare as condições com as grandes”, defende Ordine.
Para Guilherme Afif Domingos, secretário de Projetos Estratégicos do governo do Estado de São Paulo, cobrar a mesma alíquota para empresas de diversos portes não faz sentido. “O Simples Nacional foi criado para inserir o pequeno empresário na economia brasileira e contribuir para o crescimento do país e geração de empregos. Além disso, nesses quase 18 anos de regime tributário, vimos a redução da inadimplência das empresas e demos voz e um CNPJ para muitos que atuavam na informalidade. Tributar esses empresários por igual ou gerar um crédito menor para os inseridos no Simples levará ao declínio da economia”, diz Afif.
O Sescon-SP considera que a reforma será benéfica para o país, mas reconhece que “empresas do Simples Nacional inseridas no meio da cadeia perderão competitividade”, assim como empresas do setor de serviços, que “poderão enfrentar desafios com o aumento da carga tributária.’
“Mesmo assim, esperamos que a reforma traga os seguintes benefícios: simplificação, transparência, segurança jurídica e o fim da guerra fiscal, o que é extremamente importante tanto para os estados quanto para o Brasil”, diz Carlos Alberto Baptistão, presidente do Sescon-SP.
Ele acredita que alguns setores, como a indústria e o comércio, terão redução de impostos com a adoção do IVA, “benefício que deve ser revertido em uma diminuição nos preços dos produtos.”
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