Há pouco mais de três meses no comando do Varejo Carrefour Brasil e do Sam’s Club, José Rafael Vasquez está animado com o desempenho do clube de compras operado pelo Grupo, o Sam’s Club. Sob a gestão do Carrefour Brasil desde meados de 2022, quando licenciou o modelo de negócio da varejista americana Walmart, o clube de compras virou a “menina dos olhos” do Carrefour Brasil.
De todos os formatos de lojas operados pelo grupo varejista no Brasil (atacarejo, hipermercado e supermercado), o clube de compras foi o que mais ampliou vendas no primeiro trimestre deste ano.
Entre janeiro e março, o faturamento do Sam’s atingiu R$ 1,6 bilhão, um crescimento de 21,5% em relação a igual período do ano passado. No critério mesmas lojas, a alta foi de 6,9% ante o primeiro trimestre de 2023. Em igual período, as vendas do Atacadão avançaram 6,6% e 1,8% na comparação mesmas lojas, enquanto as vendas do Carrefour caíram 10,7% no geral e 1,5% no critério mesmas lojas.
Apesar do grande avanço do clube de compras, a sua participação no total das vendas ainda é pequena: responde por apenas 6%. No entanto, as perspectivas são de avanço para este ano e os próximos.
Com 51 lojas em funcionamento em 17 Estados, o plano da companhia para este ano é abrir de sete a nove pontos de venda, a maioria na região Nordeste, onde o formato tem grande aceitação. “Entendemos que o Brasil tem potencial para perto de 80 a 100 clubes”, afirmou ao Estadão Vasquez, em sua primeira entrevista no cargo. O executivo não revelou as cifras investidas.
Com mais de 30 anos de varejo e passagens pelo GPA, Cencosud, Roldão e Pague Menos, Vasquez está de volta a duas casas nas quais trabalhou. Ele foi trainee no Grupo Carrefour nos anos 1990 e líder do Sam’s Club por quatro anos, quando a bandeira estava sob a gestão do Walmart no Brasil.
O executivo falou das transformações na forma de adquirir sócios pelas quais o clube de compras passou em quase dois anos da gestão Carrefour, sobretudo no meio digital. Isso levou a bandeira atingir a marca histórica de três milhões de associados no mês passado. Também apontou os desafios de traduzir para o cidadão comum o que é na prática um clube de compras e de fidelizá-lo com a marca própria.
“Hoje o Sam’s é o vetor de crescimento, é a grande aposta”, afirmou o executivo, admitindo que o atacarejo está num momento de maturação e o hipermercado não é um formato de crescimento. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como está sendo esse retorno ao Carrefour e ao Sam’s Club?
Estou muito feliz por ter voltado. O Carrefour fez um excelente trabalho com o Sam’s, que tem uma proposta de valor muito específica. É um varejista no qual é preciso se associar (pagando anuidade de R$ 75) a ele para poder comprar. Fazemos a curadoria das mercadorias para os nossos clientes, que chamamos de sócios, e as nossas lojas – o clube. Temos de 5 mil a 6 mil SKUs (tipos diferentes de produtos), enquanto num hipermercado chegamos a ter 32 mil SKUs. Isso numa loja com tamanho semelhante ao de um hipermercado (entre 5,5 mil a 6 mil metros quadrados).
Qual é a lógica do clube de compras?
Procuramos itens muito específicos em vários lugares do mundo que não são encontrados em outros formatos de lojas. Negociamos muito com o fornecedor e vamos oferecer a melhor relação de benefícios naquelas marcas. Um produto emblemático é Cheesecake Factory (tradicional marca de cheesecake dos EUA) que no Brasil só o Sam’s tem. O formato clube de compras existe em diferentes empresas no mundo, mas no Brasil não temos concorrente. Esse modelo específico de varejo sempre foi bem-sucedido no histórico do País, tanto com o Walmart quanto com o Grupo Big/Advent. Mas eu diria que o Carrefour deu um boost (impulso) no Sam’s.
Como assim?
Chegamos a três milhões de sócios no mês passado. Quando o Carrefour assumiu o Sam’s na metade de 2022 eram 2,1 milhões de sócios. Segundo a Claudia (Claudia Vilhena, diretora sênior de Membership e CRM do Sam’s), o segredo para ter esse crescimento foi fazer parcerias específicas com empresas. A empresa tem uma grande base (de funcionários) e entrega o Sam’s como um benefício. Isso fez com que a gente alavancasse, porque é a empresa comunicando. Fechamos mais de 300 parcerias nesses 20 meses. Outro pilar foi a digitalização. Não existia a aquisição digital de sócios, via site, aplicativo. A grande alavanca de crescimento foi através da mudança de mindset, da atuação do time físico e o uso de dados para trazer o sócio correto que vai gerar vendas. Também a marca própria, Member’s Mark, foi outro pilar. Ela segue os padrões dos Estados Unidos. É um produto de excepcional qualidade para competir com as marcas líderes, com preço 10% menor, no mínimo. A marca própria representa 20% do faturamento, é um grande fidelizador. Na gestão do Carrefour, o Sam’s aprofundou a marca própria. Esses fatores contribuíram para essa “estilingada” de quase um milhão de novos sócios.
A perspectiva é chegar a quantos sócios até dezembro?
Não abrimos esses números. Um ponto importante é conhecer o perfil de compra dos sócios, fazer promoções especiais e mantê-los interessados no Sam’s. É o famoso Customer Relationship Management (CRM) que os marketplaces fazem muito bem. Por que o iFood dá desconto quando deixamos de comprar? Porque ele não quer perder o nosso gasto futuro. No Sam’s nós vamos monitorando e acompanhando os sócios. Com isso, obviamente, conseguimos gerar mais venda.
Qual é o perfil do sócio do Sam’s e qual o gasto médio?
Somos super democráticos. Adoramos ter todo mundo dentro da nossa base de sócios. O nosso perfil de sócio por gasto médio é o dobro do hipermercado.
O sr. está há menos de quatro meses na empresa, portanto pegou pouco dessa transição. Quais são os planos para o Sam’s daqui para a frente?
Primeiro, continuarmos sendo muito fiéis à proposta de valor do formato: temos que ter poucos SKUs e mercadorias que façam o sócio e o não sócio querer continuar com a gente. Pode até parecer clichê. Se continuarmos agindo nessa diferenciação, é fundamental para, no futuro, conseguirmos sair dos 51 clubes (atuais) e chegarmos perto de 80, 90, 100 clubes. Entendemos que o Brasil tem potencial para esse número. Possivelmente, a gente consiga chegar a 80 clubes entre três e cinco anos.
Neste ano serão abertos quantos clubes e em quais regiões?
Vamos abrir de sete a nove este ano. Hoje já estamos em quase todas as regiões, só não estamos presentes no Norte. Abriremos um número importante de unidades este ano no Nordeste. Começamos este mês em São Paulo (SP), no bairro do Jabaquara, e em Belo Horizonte (MG), na Pampulha. Entendemos que é um formato que tem espaço para crescer no Brasil, mas tem de ter essa proposta definida. O segundo ponto é a digitalização. Temos um bom app (aplicativo), um bom site e queremos melhorar bastante essa parte digital (as vendas digitais representam 5,6% das vendas totais do Sam’s). Não temos concorrentes diretos. No entanto, no mundo digital, concorremos com todo mundo. Além disso, tem sócio que compra no Atacadão (atacarejo), no Carrefour (hipermercado). Depende do momento de compra, do que ele quer se abastecer.
Para José Rafael Vasquez, novo CEO de Varejo do Carrefour e do Sam’s Club, atacarejo está no ponto de maturação e hipermercado não é via de crescimento
Dentro da reestruturação que houve no Grupo Carrefour Brasil, o sr. ocupa a posição de CEO de Varejo do Carrefour e do Sam’s. Existe sinergia entre esses dois formatos de loja?
Existe oportunidade de sinergia não só entre o Carrefour Varejo e o Sam’s Club, mas também o Atacadão. O cliente hoje não é monocanal, ele é multicanal: compra no Carrefour, no Atacadão, no Sam’s, no Express, no digital. Então, temos visto que há oportunidades de itens que façam sentido (em diferentes formatos de lojas). Por exemplo: se um item que vendemos no Sam’s faça sentido no hipermercado, a gente leva também para o hipermercado, protegendo a proposta de valor. Não podemos, por exemplo, pegar a marca própria do Sam’s (Member’s Mark) e colocar para ser vendida no Carrefour. No caso do azeite, tem um azeite turco de um litro no Sam’s, da marca própria, que é um sucesso. Mas podemos pegar o fornecedor desse azeite e fazer uma embalagem de 500 mililitros e colocar no Carrefour. Temos sinergia entre bandeiras ou formatos. Possivelmente, por isso que a cadeira de CEO de Varejo e do Sam’s é conjunta hoje. O varejo é um negócio de margens baixas. Estamos sempre buscando sinergia. Com uma estrutura de custos menores, é possível repassar preços menores para a ponta.
A que o sr. atribui o Sam’s ter tido desempenho no primeiro trimestre muito melhor do que o de outras bandeiras do Grupo?
Acho que é tudo que falamos. Proposta de valor bem definida, ter itens exclusivos, ter curadoria do sócio, fazer trabalho de CRM, do digital.
Mas o Sam’s representa apenas 6% das vendas. Onde vocês pretendem chegar?
Não consigo responder. Temos como meta continuarmos sendo um formato de crescimento rentável para a companhia. O Carrefour é uma empresa aberta. Temos de utilizar corretamente o valor que o nosso investidor coloca aqui dentro. Se vai ser 6% ou 10%, depende de quanto vamos gerar de retorno para o acionista.
Hoje o Sam’s é a menina dos olhos do Carrefour Brasil?
Acho que tem sido um bom aprendizado para o Carrefour Brasil. O Carrefour não tinha clube de compras. E o Walmart nunca tinha licenciado uma operação do Sam’s. Acho que está sendo um bom aprendizado e uma surpresa para o Carrefour e para o Walmart dos Estados Unidos.
Fala-se que o atacarejo está chegando no limite da taxa de crescimento mais acelerada. O sr. concorda com isso e acha que o Sam’s é uma via de crescimento mais rápida neste momento?
O atacarejo está num momento de maturação de formato, parecido com o que ocorreu com o hipermercado dez anos atrás. Saturação seria ousado demais de minha parte falar isso. Acho que o momento é de maturação. Isto é, o crescimento orgânico talvez não seja esse exponencial como foi nos últimos anos. Isso cria um espaço para um formato como o Sam’s. Mas o grande atributo do Carrefour é ser um operador multiformato e acho que ainda a gente não explora isso no seu potencial. Temos clientes que compram no hipermercado Carrefour, no Atacadão e no Sam’s. Um formato é complementar em relação a outro. Mas a taxa de crescimento do Sam’s é mais acelerada em relação ao atacarejo e aos demais formatos.
O contrato de licenciamento da marca Sam’s no Brasil é por tempo indeterminado?
Não é indeterminado. Estamos sempre em conversa com o Sam’s dos Estados Unidos, mas temos alguns bons anos pela frente ainda.
Para o sr. que foi do Walmart, qual a diferença do Sam’s no Brasil sob a gestão do Walmart no passado e sob a gestão do Carrefour hoje?
Hoje temos um ecossistema mais completo do que tínhamos na época do Walmart. O Carrefour tem uma força, por exemplo, no Sudeste, que nos ajuda muito. O Walmart não tinha essa presença tão importante geograficamente aqui. O Walmart era mais tímido e apostou em outras vias de crescimento: hipermercado, cash and carry, e-commerce. O Carrefour entendeu que o ecossistema é mais complementar. Por isso, resolveu apostar um pouquinho mais no Sam’s.
Como fica a posição do hipermercado nesse contexto?
O hipermercado do Carrefour é um hipermercado histórico. Acredito que temos muito espaço ainda para operar bem um número específico de hipermercados. Não é um formato de crescimento hoje. São 115 lojas. Chegamos a ter 145. Mas temos hipermercados muito bem sucedidos e que vão continuar existindo por muito tempo.
Sob seu comando, onde está tudo que não é Atacadão (hipermercado, supermercados, Express, posto, drogaria e Sam’s Club, qual é o formato de loja que vai crescer mais?
Hoje o Sam’s é o vetor de crescimento, é a grande aposta.
Se o sr. tivesse de traçar um paralelo entre o cliente do atacarejo e o cliente do clube de compras, diria que o do atacarejo está mais focado em preço e o do clube de compras quer essa combinação de preço e produtos diferenciados?
Sem dúvida nenhuma.
Quais os desafios do formato clube de compras?
Mostrar para o consumidor proposta de valor desse modelo de negócio. Isto é, que ele não precisa comprar grandes volumes, o valor para se tornar sócio é R$ 75 por ano, não por mês, que tem produto diferenciado, que não é um atacarejo e, ao mesmo tempo, não é o Santa Luzia (Casa Santa Luzia, supermercado que fica nos Jardins, na capital paulista, especializado em produtos de alto valor). Não é trivial construir isso na cabeça do consumidor. Tem muita confusão ainda. Mas depois que as pessoas ultrapassam a barreira do entendimento e começam a frequentar o clube, elas se apaixonam. O Sam’s tem mais seguidores no Instagram do que o Carrefour.
Quais são os planos para o Varejo Carrefour?
Passamos por uma integração super falada (integração com a compra do Big), com desafios de sistemas, processos. Buscamos sinergia em várias áreas da companhia, tanto em quadro de pessoal, como gastos com terceiros. Fizemos um trabalho de otimização de estrutura e acho que estamos num momento melhor do Varejo Carrefour. Estabilizamos, com tendência de melhoria do negócio.
Tirando o Sam’s, qual é a ordem de importância dos outros formatos?
Para mim, Vasquez, executivo, hipermercado e Sam’s. Até porque o Express é um negócio mais estabilizado: ele vai bem no Carrefour, tem boa rentabilidade.
Mas não é o foco?
Não é talvez por uma questão de tamanho da organização. Se abrirmos um Sam’s ou um Atacadão, conseguimos gerar negócios correspondentes ao que dez, vinte lojas pequenas gerariam em dois a três anos. Somos uma empresa de grandes superfícies, como Atacadão, Sam’s e hipermercados. Esses negócios como Express, postos e drogaria complementam esse nível de serviços.
https://www.estadao.com.br/economia/carrefour-sams-club-crescimento-entrevista/
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