Ricardo Calcini e Leandro Bocchi de Moraes
O Ministério do Trabalho e Emprego divulgou a recente Portaria MTE nº 3.665, de 13 de novembro de 2023, alterando por sua vez a Portaria MTP nº 671, de 8 de novembro de 2021 [1], que regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista, à inspeção do trabalho, às políticas públicas e às relações de trabalho.
De acordo com a então regra estabelecida no artigo 62 [2] na Portaria MTP nº 621/2021, era permitido, permanentemente, o trabalho aos domingos e feriados para as seguintes categorias: I) Indústria; II) Comércio; III) Transportes; IV) Comunicações e publicidade; V) Educação e Cultura; VI) Serviços Funerários; VII) Agricultura, Pecuária e Mineração; VIII) Saúde e serviços sociais; IX) Atividades financeiras e serviços relacionados; X) Serviços. A propósito, em observância ao Anexo IV da Portaria MTP nº 621/2021, cada uma dessas categorias era composta de subitens de diversas atividades em detinham autorização permanente para o labor em tais dias.
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Doravante, pelas novas diretrizes da Portaria MTE nº 3.665/2023, para as atividades que compõem especificamente a categoria do Comércio, a validade da abertura de suas portas aos domingos e feriados está condicionada à prévia autorização via regular negociação coletiva.
Por certo, o assunto extremamente sensível, tanto que foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista desta ConJur [4], razão pela qual agradecemos o contato.
Com efeito, a nova portaria teria retirada a permissão de labor aos domingos e feriados para as seguintes atividades do comércio: varejistas de peixe; varejistas de carnes frescas e caça; varejistas de frutas e verduras; varejistas de aves e ovos; varejistas de produtos farmacêuticos (farmácias, inclusive manipulação de receituário); comércio de artigos regionais nas estâncias hidrominerais; comércio em portos, aeroportos, estradas, estações rodoviárias e ferroviárias; comércio em hotéis; comércio em geral; atacadistas e distribuidores de produtos industrializados; revendedores de tratores, caminhões, automóveis e veículos similares; e comércio varejista em geral.
Sob esta perspectiva, estariam apenas autorizados os trabalhos aos domingos e feriados para as seguintes atividades: venda de pão e biscoitos; flores e coroas; barbearias e salões de beleza; entrepostos de combustíveis, lubrificantes e acessórios para automóveis (postos de gasolina); locadores de bicicletas e similares; hotéis e similares (restaurantes, pensões, bares, cafés, confeitarias, leiterias, sorveterias e bombonerias); casas de diversões; inclusive estabelecimentos esportivos em que o ingresso seja pago; limpeza e alimentação de animais em estabelecimentos de avicultura; feiras-livres; porteiros e cabineiros de edifícios residenciais; serviços de propaganda dominical; agências de turismo, locadoras de veículos e embarcações; comércio em postos de combustíveis; comércio em feiras e exposições; estabelecimentos destinados ao turismo em geral e lavanderias e lavanderias hospitalares.
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Do ponto de vista normativo, a Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000, [4] conquanto aborde a temática da participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa, preceitua, em seu artigo 6º, que “fica autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição”. No mesmo sentido, o artigo 6-A [5] da referida legislação também permite que, desde que autorizado por instrumento coletivo, assim como observada a norma municipal, poderia ser consentido o trabalho em feriados para o comércio em geral.
A respeito do assunto, oportuna é a doutrina do desembargador federal do Trabalho do TRT-SP e professor da USP doutor Homero Batista [6]:
“Fruto da reedição de medidas provisórias por mais de 5 anos, a Lei 10.101/2000 representa o único norte no regramento do labor aos domingos e, portanto, tem sido utilizado por analogia para outras atividades não essencialmente comerciais. Já houve, também, fixação de regras por meio de normas emergenciais, mas que não foram convertidas em lei, citando-se o exemplo marcante da MP 905/2019.
O ponto central da Lei 10.101/2000 foi o estabelecimento da folga dominical pelo menos uma vez no período máximo de quatro semanas, frequência alterada em 2007 para uma folga a cada três semanas, remetendo-se o tema do labor em feriados para fixação em convenção coletiva (convenção coletiva entre dois ou mais sindicatos, mas não acordo entre empresa e sindicato, previu a norma.
Por esses motivos, é possível sustentar-se ainda, a revogação tácita dos arts. 68 a 71 da CLT, que impunham exigências para o trabalho aos domingos e feriados, mas com base no antigo sistema de descanso não remunerado, superado por legislação posterior, especialmente Lei 605/1949.”
Segundo os dados do governo federal, o Brasil possui cerca de 5,7 milhões de empresas do setor do comércio, representando 27% do total de 21,7 milhões de pessoas jurídicas do país [7].
Entrementes, diante de tais mudanças promovidas pela aludida portaria ministerial, os trabalhadores integrantes das atividades descritas nos citados subitens somente poderão prestar serviços aos domingos e feriados desde que haja previsão expressa na convenção coletiva de trabalho. Tal exigência, ao que parece, é contrária à diretriz anterior que, desde o mês de novembro de 2021, autorizava incondicionalmente o labor, respeitada, claro, a jornada de trabalho prevista na legislação celetista, bastando a existência de cláusula contratual permissa do trabalho em tais dias.
Segundo as Centrais Sindicais, a nova portaria não deverá trazer mudanças para o expediente no setor do comércio, vez que a maior parte dos sindicatos no Brasil já possui acordos ou convenções coletivas proibindo o trabalho nos dias 25 de dezembro e 1º de janeiro [8]. Já a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo manifestou a sua preocupação diante da promulgação da Portaria MTE nº 3.665/23 por entender que haveria um excesso na prerrogativa do Ministério do Trabalho [9].
Em nota, o Ministério do Trabalho e Emprego se pronunciou dizendo que “a Portaria não pode alterar o que a Lei fala, logo, foi necessária uma adequação ao texto legal sobre os feriados, não mudando nada em relação aos domingos” [10]. Porém, ao que se tem notícias, já existem ao menos 16 Projetos de Decreto Legislativo protocolados no Congresso Nacional com o intuito de findar a nova diretriz ministerial estabelecida pelo MTE [11].
À vista disso, e considerando que a vigência imediata da Portaria nº MTE 3.665, na véspera do então feriado da Proclamação da República a Justiça do Trabalho do Trabalho do Rio Grande do Sul foi provocada a emitir um juízo de valor, apreciando um mandado de segurança de uma empresa local de comércio varejista e de distribuição de produtos farmacêuticos [12].
Ao analisar o caso, a magistrada concluiu que haveria prejuízos à coletividade, caso houvesse a supressão dos serviços, de forma imediata e abrupta à população [13]:
“A peticionária constitui-se em uma das maiores empresas de comércio varejista e de distribuição de produtos farmacêuticos sediadas no Estado do Rio Grande do Sul e, dentro de sua área de atuação, presta serviço relevante à população gaúcha há longa data. Conta com um número expressivo de unidades e, em razão disso, com um enorme quadro funcional, organizado de acordo com escalas prévias e a necessidade do serviço, a qual é, indiscutivelmente, vultosa, haja vista que, a população se serve dos itens ofertados de forma habitual, até mesmo contando com o fato de que os estabelecimentos encontram-se sempre disponíveis. (…). O ato administrativo atacado, da forma como praticado – sem adentrar em sua relevância e mérito – causa alteração nociva e imediata às vésperas deum feriado nacional (Proclamação da República), inovando, nesse caso, de forma negativa, ainda que, teoricamente, os princípios que o norteiem possam ter importância.”
Ora, sabe-se ser fundamental o direito ao próprio fortalecimento das negociações coletivas, por meio de acordos e convenções coletivas de trabalho. Todavia, é cediço também a falta de representatividade prática de muitos sindicatos, assim como o seu enfraquecimento causado pós Lei da Reforma Trabalhista, afinal, conforme dados oficiais do MTE, a contribuição sindical às entidades patronais e laborais despencou 98% nos últimos cinco anos, vez que em 2017 o valor arrecado foi de R$ 3,045 bilhões, ao passo que em 2022 esse valor caiu para R$ 58,1 milhões [14].
Em arremate, a partir deste novo regramento é preciso ter um olhar mais cuidadoso e de maior prudência acerca da temática, tendo em vista que a praxe comprova que sindicatos efetuam a cobrança de taxas ilegais para instituir instrumentos coletivos que permitam o trabalho dos funcionários em feriados e domingos. Além disso, inegavelmente o debate sobre esta temática é de interesse nacional, de sorte que a norma deve ser analisada de forma a propiciar segurança jurídica para os setores da economia envolvidos nessas atividades, para além de trabalhadores, empresários e, em particular, a sociedade como um todo, a qual inegavelmente depende desses serviços.
[1] Disponível em https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-359094139 . Acesso em 20.1.2023.
[2] Art. 62. É concedida, em caráter permanente, autorização para o trabalho aos domingos e feriados, de que tratam os art. 68 e art. 70 do Decreto-Lei nº 5.452, de 1943 – CLT, às atividades constantes do Anexo IV desta Portaria.
[3] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela Coluna Prática Trabalhista da ConJur, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.
[4] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l10101.htm. Acesso em 20.11.2023
[5] Art. 6º-A. É permitido o trabalho em feriados nas atividades do comércio em geral, desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição.
[6] Direito do Trabalho Aplicado: Direito individual do trabalho – São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2021. – (coleção Direito do Trabalho Aplicado: volume 2) páginas 940.
[7] Disponível em https://www.poder360.com.br/poder-empreendedor/convencao-coletiva-decidira-se-comerciante-trabalha-em-feriado/. Acesso em 20.11.2023.
[8] Disponível em https://www.poder360.com.br/economia/nova-regra-de-trabalho-nao-deve-afetar-natal-diz-central-sindical/. Acesso em 20.11.2023.
[9] Disponível em https://www.fecomercio-al.com.br/2023/11/posicionamento-do-sistema-comercio-sobre-mudanca-nos-termos-da-portaria-mte-no-3-665/. Acesso em 20.11.2023
[10] Disponível em https://static.poder360.com.br/2023/11/Nota.pdf . Acesso em 21.11.2023.
[11] Disponível em https://www.poder360.com.br/congresso/congressistas-querem-vetar-regra-de-lula-sobre-trabalho-em-feriados. Acesso em 21.11.2023.
[12] Disponível em https://www.poder360.com.br/justica/justica-libera-trabalho-aos-domingos-e-feriados-a-rede-de-farmacias/. Acesso em 21.11.2023.
[13] Disponível em https://pje.trt4.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0021075-81.2023.5.04.0025/1#0c0b44a. Acesso em 21.11.2023.
[14] Disponível em https://www.poder360.com.br/economia/contribuicao-sindical-despenca-98-em-5-anos/#:~:text=Valor%20caiu%20de%20R%24%203,2022%3B%20governo%20quer%20retomar%20cobran%C3%A7as&text=A%20contribui%C3%A7%C3%A3o%20sindical%20%C3%A0s%20entidades,Minist%C3%A9rio%20do%20Trabalho%20e%20Emprego. Acesso em 20.11.2023.
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