A discussão sobre a possibilidade de responsabilização de empresas do mesmo grupo econômico na execução trabalhista será pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) nos próximos dias. Na prática, a depender da decisão, empresas poderão ser responsabilizadas pelo pagamento de condenações trabalhistas, ainda que o trabalhador não tenha prestado serviços diretamente para todas – e mesmo que elas ou os sócios não tenham participado da produção de provas e do julgamento.
O julgamento do mérito do Recurso Extraordinário (RE) 1.387.795 será discutido pelo Supremo a partir desta sexta-feira (3/11) até 10 de novembro, em julgamento no Plenário Virtual. A questão tem repercussão geral no Tema 1.232, que deve debater a “possibilidade de inclusão no polo passivo da lide, na fase de execução trabalhista, de empresa integrante de grupo econômico que não participou do processo de conhecimento”.
O assunto ganhou mais relevância após a decisão do ministro Dias Toffoli, relator do RE, de suspensão de todas as execuções trabalhistas que discutem a possibilidade, em maio deste ano. Também aguardando a decisão de mérito, está a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 488, de relatoria da ministra Rosa Weber, que possui teor similar.
Até 2003, havia o direcionamento na Justiça do Trabalho de que as empresas de um mesmo grupo econômico não seriam, necessariamente, responsabilizadas por uma execução trabalhista. A Súmula 205 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) dispunha do tema da seguinte forma: “o responsável solidário, integrante do grupo econômico, que não tivesse participado da relação processual como reclamado e que, portanto, não constasse no título executivo judicial como devedor, não poderia ser sujeito passivo na execução”.
“Desde então, começou a prevalecer um entendimento na Justiça do Trabalho em geral de que é possível apresentar pessoas fortemente sucessoras ou integrantes de um grupo já na fase de execução”, afirma Osmar Paixão Côrtes, secretário-geral do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IDP).
Côrtes explica que uma das razões da queda da súmula pelo TST foi a noção de que, ao mantê-la, o tribunal estaria dificultando que créditos trabalhistas fossem satisfeitos: “A súmula engessava um pouco isso e muitos créditos realmente ficavam abertos. Ao revogar essa súmula, se imaginou que ficasse um bom senso de análise caso a caso. Mas, em muitas situações, há uma confusão nessa inclusão na execução e é isso que causa insegurança”.
A questão é que, frequentemente, haveria um redirecionamento tido como pouco criterioso da execução – ao considerar empresas como grupos econômicos fora dos critérios da CLT, que caracteriza como responsáveis solidárias quando as empresas estiverem sob a direção, controle ou administração em comum.
“O que acontece muitas vezes é que, na hora de análise do contrato social, se pega duas empresas e, se existe um sócio comum, executa ambas dizendo que é um grupo econômico, colocando no processo de execução o sócio ou a outra empresa também. Não é criterioso”, afirma Eduardo Sant’Anna, advogado da Confederação Nacional da Indústria (CNI) sobre o cenário desde o fim da súmula.
Para o advogado, as consequências desse feito durante a fase de execução são perigosas: “Na execução, a produção probatória é muito mitigada. Aí o que acontece é que, ao saber do processo somente na fase executória, a empresa ou sócio, não teve a oportunidade de demonstrar que aquela pessoa não tinha sido empregada, que não se tratava de grupo econômico. Isso acaba agredindo os próprios princípios constitucionais, do amplo direito de defesa, do contraditório, do próprio direito de propriedade”.
Nesse sentido, a preocupação central seria em relação ao direito constitucional de liberdade de defesa. “O fato é que sem ter direito ao contraditório na fase de conhecimento, muitos terceiros acabam sendo obrigados na fase de execução. Agora, como na fase de execução você vai ser responsabilizado por uma dívida trabalhista que não participou da constituição do título judicial?”, questiona a advogada Carolina Tupinambá, doutora em Direito Processual pela UERJ e em Direito do Trabalho pela USP.
Ela reforça que existem outros meios de garantir judicialmente que o processo trabalhista seja executado de forma justa. Em relação ao sócio da empresa, por exemplo, o Código do Processo Civil (CPC) traz, desde 2015, o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ).
“A disciplina processual da desconsideração da personalidade jurídica realizada pelos artigos 133 a 137 do CPC permite que o patrimônio de determinadas pessoas – à primeira vista estranhas ao processo – seja atingido, configuradas determinadas hipóteses autorizadas por lei com a observância do contraditório”, explica.
Algumas possibilidades para a conclusão no STF é que se entenda a necessidade também da instauração de um incidente, com abertura de contraditório para o ingresso de outras empresas no processo; ou que a inclusão de empresas na execução seja vedada completamente, caso elas não tenham participado anteriormente.
“Essa seria uma visão em homenagem ao princípio do contraditório, à participação ampla das partes no processo e à garantia de efetivação de um processo justo”, comenta Tupinambá. Eduardo Sant’Anna, da CNI, avalia que esse é o caminho mais provável: “A perspectiva acerca do julgamento de mérito é positiva, porque para nós essas violações constitucionais são bem claras. Já houve até decisões dos próprios ministros nesse sentido”.
“Hoje a estrutura da própria justiça do trabalho é muito diferente do que era antigamente. A segurança jurídica é hoje muito mais fácil de ser alcançada do que era antes, para ambas as partes, tanto reclamante quanto reclamada”, conclui.
Já uma decisão no sentido oposto, isto é, permitindo sem restrições que empresas participem da execução trabalhista quando não haviam sido citadas é vista como preocupante para a segurança jurídica e o ambiente de negócios no Brasil.
“Essa questão é muito pulsante, porque qualquer ação de compra e venda, ou de transição de controle acionário, está submetida a esse tipo de execução, o que resulta em uma insegurança jurídica muito grande para os negócios”, aponta Côrtes, do IDP.
ESTÚDIO JOTA – Brasília
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