Notas&Informações, O Estado de S.Paulo
Os resultados das empresas estatais serão usados para tentar salvar a honra de um governo que se elegeu com a promessa de zerar o déficit nominal das contas públicas privatizando essas mesmas empresas estatais. O Executivo pediu a Petrobras, Caixa, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Banco do Brasil que antecipem o pagamento de dividendos para ajudar a União a fechar o ano com um superávit primário – ou seja, um saldo positivo entre receitas e despesas, sem contabilizar o pagamento dos juros da dívida.
Revelada pelo Estadão, a informação foi confirmada pelo secretário especial de Tesouro e Orçamento, Esteves Colnago. Longe de ser uma estratégia nova, a antecipação de dividendos foi um recurso muito utilizado por administrações anteriores. Era assim que as contas fechavam no azul nos tempos da presidente Dilma Rousseff. Os números exprimiam o resultado do arsenal de manobras que ficou conhecido como contabilidade criativa. Não enganavam ninguém, mas a ironia do destino é que uma administração pretensamente liberal recorra às mesmas práticas que devastaram as contas públicas no passado recente.
Quem diria que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, conhecido pela heterodoxa nova matriz econômica, serviria de inspiração ao ministro da Economia, Paulo Guedes? A aposta em políticas públicas caras e ineficazes foi uma tentativa de criar uma marca para o governo Dilma. Incluiu, também, medidas para controlar os preços de combustíveis e energia, desonerações sem critério ou contrapartida e intervenções que evidentemente prejudicavam os resultados das estatais. O conjunto da obra conteve a inflação em 2014 e garantiu à ex-presidente um segundo mandato, mas a um custo elevado e pago, sobretudo, pelos mais pobres. A conta não demorou a chegar, e já em 2015 o IPCA atingiu 10,67%, o maior índice desde 2002. Guardadas as diferenças na forma em que essas medidas foram colocadas em prática, o roteiro é o mesmo e o balanço final parece – e muito – com a herança que o presidente Jair Bolsonaro deixará para seu sucessor. Não é coincidência, mas consequência da mesma gastança disfarçada de superávit e orientada por pesquisas eleitorais.
Impulsionada pela inflação, a arrecadação, aliada ao finado teto de gastos, seria mais do que suficiente para que o governo atingisse o superávit primário sem esforço. Mas o Executivo abriu mão de R$ 71,1 bilhões em receitas com desonerações e, em paralelo, autorizou gastos de R$ 41,2 bilhões com a PEC Kamikaze. Agora, precisará limpar o caixa das estatais para conseguir receber já algo que só entraria no Orçamento de 2023, avançando sobre recursos que muito provavelmente estariam nas mãos de outro presidente. Para isso, suprema das ironias, contará com a ajuda fundamental da outrora vilã Petrobras, que, tudo indica, aprovará a distribuição antecipada de R$ 40 bilhões a seus acionistas, a maior parte para a União, resultado de seu lucro – aquele que foi definido recentemente como “absurdo e inadmissível” por Bolsonaro.
Comentários