Notas & Informações, O Estado de S.Paulo
Na homilia do domingo passado, chamado pelos católicos de Domingo da Misericórdia, o papa Francisco fez algumas reflexões que podem ser de especial utilidade nestes tempos de pandemia. A crise atual exige do poder estatal uma resposta diligente e abrangente, que enfrente as inúmeras questões sanitárias, médicas e econômicas trazidas pela pandemia. Mas a situação atual também pede a todos uma atitude de profunda solidariedade. Não se conseguirá realizar a grande prioridade, que é cuidar das pessoas, sem o envolvimento de todos – governo, empresas e cidadãos.
“Na provação que estamos atravessando, também nós, com nossos medos e nossas dúvidas como Tomé, reconhecemo-nos frágeis. (…) Descobrimos que somos como belíssimos cristais, simultaneamente frágeis e valiosos”, lembra o papa Francisco. Se a pandemia desvela a incrível fragilidade do ser humano e de seus projetos – basta ver que o novo coronavírus impôs a todos um ano de 2020 completamente diferente de qualquer planejamento -, ela também revela que a vida de todo ser humano merece toda a atenção. Não cabe fazer cálculos com a vida humana. “A misericórdia não abandona quem fica para trás”, afirmou o papa Francisco.
Na homilia, foi lembrado que não basta que cada um vença individualmente o novo coronavírus. É preciso preocupar-se de todos. “Agora, frente a uma recuperação lenta e árdua da pandemia, este perigo se insinua: esquecer quem ficou para trás”, disse o papa Francisco. “O risco é que nos atinja um vírus ainda pior: o da indiferença egoísta.” É grande o estrago causado pelo vírus da indiferença. “Chega-se a selecionar as pessoas, a descartar os pobres, a imolar no altar do progresso quem fica para trás. Esta pandemia, porém, lembra-nos que não há diferenças nem fronteiras entre aqueles que sofrem. Somos todos frágeis, todos iguais, todos valiosos.”
O papa Francisco também manifestou um desejo. “Oxalá o que está acontecendo mude o nosso interior: é tempo de remover as desigualdades, sanar a injustiça que mina pela raiz a saúde da humanidade inteira!” O enfrentamento da pandemia tem suscitado várias mudanças de hábitos sociais, como novas práticas de higiene pessoal e de consumo. Mas a pandemia é igualmente ocasião para repensar valores e objetivos. “Não pensemos só nos nossos interesses, nos interesses parciais. Aproveitemos esta prova como uma oportunidade para preparar o amanhã de todos, sem descartar ninguém”, advertiu o papa.
Cultivar esse olhar amplo, que não apenas vê os interesses pessoais, mas a coletividade, é mais do que mera questão de foro individual. Como alertou o papa Francisco, “sem uma visão de conjunto, não haverá futuro para ninguém”. Esta é uma das grandes verdades que a pandemia do novo coronavírus tem relembrado: os destinos humanos estão sempre entrelaçados. Ninguém é uma ilha isolada. O que cada um faz interfere, positiva ou negativamente, nos outros.
O respeito à quarentena, por exemplo, é muito mais do que um cuidado com a saúde pessoal ou a da família. Zela-se por toda a coletividade. Ao contribuir para diminuir o ritmo de infecção do novo coronavírus, geram-se efeitos positivos, por exemplo, sobre todo o sistema de saúde, o que é decisivo para quem tem menos condições e está mais vulnerável.
No dia seguinte à homilia do papa, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e outras entidades, como a Comissão Arns, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entregaram ao presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, o Pacto pela Vida e pelo Brasil. Baseando-se nos princípios da solidariedade e da dignidade da pessoa humana, o documento conclama à união e ao diálogo, reclamando soluções conjuntas “para que ninguém seja deixado para trás nesta difícil travessia”.
É preciso cuidar de todos, com um olhar que não se detenha em diferenças políticas ou ideológicas. Viver em sociedade não traz apenas custos ou complicações. Ela possibilita e potencializa a solidariedade. Somos humanos. Ninguém está sozinho.
Comentários