Por Notas & Informações
O centro da cidade de São Paulo está abandonado.
Quem vive, trabalha ou apenas circula pela região central da capital paulista – onde estão a Prefeitura, a Câmara, a Catedral da Sé, a Bolsa de Valores (B3), o Theatro Municipal, a Estação da Luz e a Sala São Paulo, entre tantos prédios históricos cujo valor político ou cultural é inestimável – está largado à própria sorte. Pode se considerar afortunado o cidadão que visitar o local e tenha como dissabor apenas, por assim dizer, constatar com os próprios olhos a degradação da área mais importante da quarta maior cidade do mundo.
Poucas cenas são mais emblemáticas desse estado lamentável de coisas do que a absoluta desordem que impera no entorno do Pateo do Collegio, onde a cidade de São Paulo foi fundada pelos jesuítas em 1554. Por todos os lados, veem-se barracas montadas pela população em situação de rua, lixo acumulado, punguistas e assaltantes em plena atividade. Passar incólume pela Praça da Sé, a poucos quarteirões dali, é mera questão de sorte. Não há hora do dia em que o local seja seguro – todos os dias da semana.
Na Sexta-Feira Santa, usuários de drogas que costumam se concentrar na Cracolândia invadiram e saquearam uma drogaria e um mercado na Avenida São João. Segundo consta, o grupo se insurgiu contra uma ação de zeladoria da Prefeitura na Cracolândia que contou com o apoio da Polícia Militar (PM), da Polícia Civil e da Guarda Civil Metropolitana. É possível imaginar o terror dos funcionários e clientes dos dois estabelecimentos comerciais invadidos e, não menos relevante, a angústia dos moradores da região central, que pagam seus impostos e não têm o básico como contrapartida do Estado: o direito de simplesmente ir e vir em paz.
Depois dessa nova onda de ataques – e por “nova” se entende que não foi a primeira e decerto não será a última – a Prefeitura alegou que tem atuado de modo firme em ações de zeladoria no centro de São Paulo; o governo do Estado, por sua vez, diz ter reforçado o policiamento ostensivo na região, especialmente nas ruas que formam essa “nova” Cracolândia, mais dispersa.
Não há motivos para este jornal duvidar dos esforços envidados pelo Poder Executivo nas duas esferas da administração para tentar resolver o complexo problema da Cracolândia, uma ferida aberta há décadas no coração de São Paulo. Não obstante, é evidente que o que tem sido feito pela Prefeitura e pelo Palácio dos Bandeirantes é insuficiente. No mínimo, faltam planejamento e ação estratégica coordenada.
Ao Estadão, o secretário executivo de Projetos Estratégicos da Prefeitura de São Paulo, Alexis Vargas, disse que “os saques mostram” que o governo municipal está “mexendo com a economia da Cracolândia”, o que evidenciaria, em sua visão, que a estratégia do prefeito Ricardo Nunes “está no caminho certo”. Talvez o secretário não tenha se dado conta do absurdo de sua declaração. Ora, como poderia estar “no caminho certo” uma estratégia de ação que resulta em saques ao comércio, impondo terror e prejuízos de toda ordem aos paulistanos?
Ninguém razoavelmente informado duvida que a Cracolândia só sobrevive há tantos anos graças à ação diligente de uma organização criminosa que explora a dependência química de miseráveis – não necessariamente do ponto de vista socioeconômico – que, na esmagadora maioria dos casos, não têm mais condições de responder por si mesmos. Se estratégia há no enfrentamento dessa situação dramática, parece evidente que ela precisa ser revista.
Ações da Prefeitura para pôr ordem no centro de São Paulo devem ser realizadas com o apoio de um contingente muito maior de policiais, para dizer o mínimo. É inaceitável que comerciantes tenham de baixar suas portas e reduzir o atendimento à clientela ou que moradores tenham de viver trancados em suas casas toda vez que o Estado precisar agir para ordenar a ocupação do espaço público ou combater o tráfico de drogas na região central. As respostas do crime organizado às investidas do poder público são quase sempre previsíveis. É justo exigir do Estado mais do que enxugar gelo.
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