09 de outubro, 2024

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Todos ganham ao reduzir o desperdício de FLV

O Brasil vive um paradoxo quando o assunto é desperdício de alimentos. O país ocupa a 10ª posição no ranking de países que mais jogam comida fora, segundo dados da ONU. Por outro lado, as perdas do setor de Frutas, Legumes e Verduras (FLV), segundo pesquisa recente da Abras, representaram 5,25% do faturamento bruto do varejo em 2020, disparado o maior responsável entre todos os segmentos de um supermercado.

Só por isso já seria essencial trabalhar para mudar essa realidade. Mas hoje ainda há a pressão da sociedade pela sustentabilidade e a mudança de comportamento do consumidor, que tem buscado mais qualidade em redes especializadas, além do próprio clima, que impacta no volume de chuva.

Esse desperdício ocorre em diversas etapas da cadeia alimentar, desde a produção até o consumo. Na produção, os alimentos são perdidos devido a questões como mau planejamento, falta de infraestrutura adequada e problemas climáticos. Na distribuição e comercialização, alimentos são descartados devido a padrões exigentes de aparência e estética, além de problemas logísticos. Já no consumo, os alimentos são desperdiçados devido a compras excessivas, falta de planejamento de refeições e descuido com a conservação dos alimentos.

Uma vez inserido nessa cadeia, o varejo de alimentos deve estar preparado para fazer sua parte. “Há uma clara tendência de preferência por alimentos mais frescos e saudáveis, sobretudo FLV, setor que ajuda a gerar tráfego nas lojas. Por outro lado, vemos o crescimento dos atacarejos e do e-commerce. Isso tudo força o supermercado a evoluir nas práticas para continuar competindo”, afirma o consultor especialista em perdas e logística da EAS Soluções, Eduardo de Araujo Santos.

Para ele, além do ganho de competitividade, reduzir perdas traz resultado financeiro. “O desafio é olhar para toda a cadeia e descobrir como o varejista pode contribuir inclusive para o desperdício das famílias”, completa Olegário Araújo, sócio fundador da consultoria Inteligência360 e pesquisador do Centro de Excelência em Varejo da FGV.

Olegário Araújo, da consultoria Inteligência360

 

Medir e comparar

Nessa empreitada, o Brasil está defasado em relação ao exterior, onde as redes têm metas mais consistentes e programas mais avançados. “É preciso urgentemente tirar essa diferença”, adverte Santos. Segundo ele, uma das grandes dificuldades do varejista nacional é medir resultados e comparar em contextos e redes tão diferentes.

Santos afirma que não basta observar indicadores setoriais. Melhor seria se cada rede desenvolvesse suas próprias medições de desperdício e, a partir delas, fizesse comparações históricas (de gestão de estoque e inventários). “É preciso saber a situação da rede hoje e no ano passado, se evoluiu, a que ritmo e qual foi o resultado de cada loja”, aponta.

O consultor reconhece que a noção de desperdício está incorporada ao pensamento do brasileiro. “O desperdício de alimentos ainda é uma opção e está inserido no modelo de negócios do varejo alimentar. A maior parte do FLV não vendido – e é uma quantidade significativa – acaba no aterro sanitário. As doações são uma parcela muito pequena. E tem ainda o que é devolvido para o fornecedor, numa tentativa de se livrar do problema, sem se interessar onde isso vai acabar”.

“É necessário ter consciência de todo o processo de produção e, a partir dele, criar mecanismos que reduzam o desperdício, de forma a repensar, se necessário, a forma de operar. Mas é importante ressaltar, também, que a redução do desperdício pode ser vista através do olhar da responsabilidade social e ser transformado em doação, através de um Banco de Alimentos. O que seria desperdiçado, vira alimento na mesa de quem precisa”, segue Mariana Arrivabene, especialista de sustentabilidade da Rede Hortifruti Natural da Terra (HNT), que tem como pilar estratégico a gestão de resíduos e a redução de desperdício dos alimentos em toda a rede.

Uma das características da HNT é se preocupar com a apresentação do produto nas gôndolas. “Existe todo um processo que checa a qualidade dos alimentos, desde a logística, até a seleção para as bancas. Durante todo esse processo realizado pela operação, as frutas legumes e verduras podem ter destino diverso, caso não esteja apto para a venda. O alimento que não é selecionado para a banca pode ser aproveitado, sempre de forma segura, em nossos refeitórios internos e, também, em forma de processados sob a forma de suco, por exemplo, quando a fruta está no ápice de seu dulçor”, conta Mariana Arrivabene, Head de sustentabilidade da rede Hortifruti Natural da Terra.

“Ao final de todo o processo aplicando práticas de redução de desperdício há, ainda, o resíduo orgânico, o lixo, produzido pela operação. Pensando em uma melhor destinação para esse resíduo e voltando àquele olhar de consciência em todas as fases, implantamos o sistema de compostagem e, a partir dele, desenvolvemos o Adubo HNT, que é um adubo 100% natural e sem qualquer aditivo químico”, conta Arrivabene.

Segundo o Relatório de Sustentabilidade da HNT, em 2022, foram doadas 93 toneladas de frutas, legumes e verduras, para os Bancos de Alimentos Mesa Brasil e Prato Cheio. Quanto ao adubo, já foram produzidas mais de 10 toneladas de adubo, a partir da compostagem de mais de 15 mil quilos de resíduos.

Mesmo com todas as práticas de Sustentabilidade visando a redução do desperdício, em seu relatório 2022, a HNT registrou um volume financeiro de perdas de alimentos (entre quebra por avaria, vencimento e maturação) de mais de R$ 50 milhões. O foco maior é na perda por vencimento e maturação, por isso, costuma fazer promoções no fim do dia com até “40% off”, além de buscar parcerias, como a B4 waste e Food to save, para a comercialização desses produtos ainda próprios para o consumo, mas em estágio de maturação mais avançado ou próximos ao vencimento.

Eduardo de Araujo Santos, da EAS Soluções

 

Dados, atenção e controle

Para Betina Santos, coordenadora comercial da consultoria PariPassu, o pior ponto de desperdício costuma acontecer na gôndola, por dificuldade de exposição do produto, mas todo o processo traz riscos. “A FAO diz que um terço dos alimentos são desperdiçados desde a produção. No Brasil, cerca de 30 a 40% se perdem no pós-colheita”, revela.

Betina lembra que, além de ser fornecedor para o cliente final, o varejo tem papel fundamental na cadeia por ser cliente do produtor, que acaba se moldando a suas necessidades. “Por isso a gestão da entrada do produto na loja é o divisor de águas. Se bem-feita, permite evitar desperdício a ponto de reduzir a necessidade de se preocupar com o processamento de alimentos não conformes”, afirma.

Betina Santos, da consultoria PariPassu

 

Em busca de soluções

Betina defende que o papel do varejista é de criar soluções para evitar perdas. “A gestão e o desenvolvimento do fornecedor são pontos superimportantes. Tudo começa no campo quando a gente pensa em um produto seguro. E todo mundo ganha com isso.”

A inspeção de qualidade qualificada bem-feita é o próximo passo. “Muitas vezes, por conta da sazonalidade, o varejista acaba aceitando um produto que quebra muito na loja. É preciso não só ter gente capacitada para fazer a seleção, mas também ferramentas de registro (ficha técnica), para informar o fornecedor e ajudá-lo a se posicionar melhor na próxima entrega”, diz.

As boas práticas de armazenagem dos produtos e a gestão de estoque também importam. “Alguns itens continuam amadurecendo e, se tudo se mistura, um se apoia no amadurecimento do outro e morre mais cedo. É preciso encaminhar o mais rápido possível o produto para a gôndola”, lembra Betina. “Não se engane e exponha só à tarde um item que chegou logo cedo”, completa.

Por fim é necessário ter uma exposição otimizada, com alguém responsável por ajustar a gôndola e reorganizar os itens. “Vale passar pelo menos uma vez, bater uma foto, documentar, fazer a conferência em loja.”

“Para melhorar processos, é preciso se orientar por dados”, ensina Olegário Araújo. Segundo ele, o pequeno varejista tem a vantagem de conhecer muito bem seu cliente e poder personalizar soluções práticas e saudáveis.

Santos lembra que a prática de empilhamento de FLV é extremamente danosa e um exemplo clássico do que não se deve fazer. Ele cita a cartilha do Ceagesp, que demonstra o perigo disso à qualidade do FLV. “Para empilhar as frutas, o funcionário tem de manuseá-las uma a uma, e elas acabam amassadas. Isso acelera a deterioração e contamina o alimento. O ideal é ter uma camada única de produtos”.

Além de dificultar o acesso e encarecer o alimento, o desperdício tem um impacto tremendo no negócio do setor. “Mais do que ligar o desperdício à fome, é importante lutar contra as perdas nos lares. O varejo tem um papel preponderante na mudança de mindset, para que todos combatam o desperdício”, finaliza Santos.

 

Nathalia Barboza e Thais Abrahão, Presstalk Comunicação

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